É uma pergunta muito importante, pois nos coloca em confronto com diversos aspectos bíblicos, sobretudo com a relação entre teologia e história, revelação e caminhada do povo.

 

A. Situação

Depois de ter estado no Egito durante vários séculos (430 anos segundo Êxodo 2,40), o povo dos hebreus sofre a opressão do Faraó e escapa, guiado por Moisés.

O livro do Êxodo conta que os filhos de Israel, tendo fugido do Egito, caminharam pelo deserto durante 40 anos:

16.35: E comeram os filhos de Israel maná quarenta anos, até que entraram em terra habitada; comeram maná até que chegaram aos termos da terra de Canaã.

 

B. Distância entre Israel e Egito

Os quilômetros que separam o Egito de Israel não são muitos (cerca de 500, dependendo das rotas consideradas) e obviamente não justificam 40 anos de caminhada. Com certeza as caravanas daquele período faziam esse trajeto em cerca de 1 mês.

Considerando essas evidências, é óbvio que por trás da narração bíblica existe algo mais do que uma simples história de uma viagem do Egito para a Terra Prometida.

 

C. Interpretações do caminhada pelo deserto

É o deserto que fará dos hebreus o povo escolhido por Deus. Trata-se de uma história de amizade, de uma descoberta recíproca, de uma aliança. A vida se realiza caminhando e a meta - a Terra Prometida, é o ideal e não se alcança imediatamente. Não é uma simples viagem, com partida e chegada; o caminho é fundamental e nele os viajantes se descobrem povo escolhido.

1. infidelidade do povo

Uma das interpretações comuns é que a caminhada poderia ter durado menos se o povo tivesse sido fiel. O texto em Números 14, que conta a revolta de Israel, poderia ser uma base para essa sua hipótese. Nesse texto, com o povo já às portas da Palestina, os hebreus duvidam da capacidade do Senhor de lhes conduzir na Terra Prometida e pretendem voltar ao Egito. Sob a intercessão de Moisés Deus perdoa o povo, mas diz que ninguém daqueles ali presente entrará na Terra Prometida, mas morrerão no deserto (exceto Cabeb e Josué) e conclui dizendo:

Por quarenta naos levareis o peso de vossas faltas e sabereis o que é o fato de me abandonar.

Poderíamos ligar também com quanto contado em Juízes 13,1: o povo desobedece a Deus e é entregue, por 40 anos, nas mãos dos filisteus. E ainda com o Salmo 95,10: Quarenta anos estive desgostado com esta geração, e disse: É um povo que erra de coração, e não tem conhecido os meus caminhos.

É uma leitura muito pessimista e precisa ser balançada com uma visão mais positiva, sublinhando sobretudo a presença de Deus durante a caminhada, um Deus que protege, que não deixa faltar nada para o povo.

2. Simbologia do número 40

Outro aspecto que não pode ser esquecido é a simbologia que acompanha o uso desse número. Ela pode nos ajudar a entender por que o autor sagrado decidiu fixar em 40 os anos da caminhada do povo. Alguns exemplos de passagens bíblicas bastam para ver quanto esse número é significativo:

Muitos textos bíblicos revelam o valor simbólico deste número:

  • Moisés, esteve na nuvem, quando subiu o Sinai para receber a Lei, 40 dias e 40 noites (Êxodo 24,18);
  • Os exploradores de Canaã, enviados por Moisés, levaram 40 dias para explorar a Terra Prometida (Números 13,24);
  • Quando há paz, no livro dos Juízes, a terra "sossega por 40 anos" (3,11; 5,32; 8,22);
  • Davi reinou 40 anos (2Samuel 5,4) e também Salomão (1Reis 11,42). O mesmo período teria reinado Saul, segundo Atos dos Apóstolos 13,21;
  • A caminhada de Elias até o Horeb, depois de ter sido alimentado por Deus, durou 40 dias e quanrenta noites (1Reis 19,8);
  • Jonas dá a Nínive o prazo de 40 dias para que se converta (3,4);
  • Jesus, depois do batismo, jejua 40 dias e 40 noites (Mateus 4,2). Durante esse período, segundo Marcos 1,13, foi tentado por Satanás (veja também Lucas 4,2);
  • Atos 1,3 diz que Jesus, depois da sua ressurreição, durante 40 dias apareceu aos discípulos.