A sua pergunta se refere a uma passagem de 1Reis 9,10-14, onde o texto diz:
E sucedeu, ao fim de vinte anos, que Salomão edificara as duas casas; a casa do Senhor e a casa do rei (Para o que Hirão, rei de Tiro, trouxera a Salomão madeira de cedro e de cipreste, e ouro, segundo todo o seu desejo); então deu o rei Salomão a Hirão vinte cidades na terra da Galileia. E saiu Hirão de Tiro a ver as cidades que Salomão lhe dera, porém não foram boas aos seus olhos. Por isso disse: Que cidades são estas que me deste, irmão meu? E chamaram-nas: Terra de Cabul, até hoje. E enviara Hirão ao rei cento e vinte talentos de ouro.
O contexto desse episódio é o da construção do Templo de Jerusalém, para o qual foram utilizados materiais que Salomão “importou” do Líbano. Fala-se normalmente dos Cedros, que a Bíblia diz terem sido plantados pelo Senhor no Líbano (Salmos 104). É oportuno citar também a profecia de Isaías: “a glória do Líbano virá a ti, o zimbro, o plátano e o cipreste, todos juntos, para inundarem de brilho o lugar do teu santuário, e assim glorificarei o lugar em que pisam meus pés”(60, 13).
A amizade do rei fenício Hiram (ou Hirão), que tinha sua sede em Tiro, no atual Líbano, com o rei Salomão nasce já no início do reinado do filho de Davi (1Reis 5,15). Aliás, a Bíblia diz que Hiram era inclusive amigo de Davi. Salomão pediu ao rei fenício madeira para a construção do templo, prometendo pagá-la (1Reis 5,20). A madeira de cedro e cipreste foram preparadas e transportadas por mar até o porto de Jope (Tel Aviv) e depois levadas para Jerusalém. Isso custava para Salomão “20 mil coros de trigo e 20 mil coros de azeite virgem” para sustentar a casa de Hiram (1Reis 5,25). Além da madeira, do Líbano também foram trazidas as pedras para o Templo, com um número incrível de hebreus que ajudavam os operários de Hiram (veja 1Reis 5,27 seguintes). Não se diz nada mais sobre o pagamento, apenas que os dois reis fizeram uma aliança (1Reis 5,26).
A construção do templo (e da casa do rei) durou 20 anos (1Reis 9,10) e durante esse período houve a aliança entre os dois reis. O pagamento por parte de Salomão a Hiram, além do trigo e azeite, parece ter incluído também algumas cidades da Galileia. Essa é uma região que fica próximo do Líbano e podemos deduzir que Salomão cedeu uma parte do seu reino ao rei fenício. Esses versículos que você cita parecem denotar um menosprezo por parte de Hiram do território a ele dado. De qualquer forma, no final, Hiram dá uma retribuição a Salomão, em ouro, o que confirma que, apesar da má impressão que o território deu ao rei fenício, ele aceitou o pagamento de Salomão.
A compreensão dessa passagem talvez passe por entender a expressão “terra de Cabul”, nome dado por Hiram àquelas cidades depois do seu parecer negativo sobre elas. É provável que se trata de uma maneira de explicar por que essa região era assim chamada. O famoso historiador Josefo diz que Cabul, “na língua fenícia, é interpretado como significando ‘não agradável’”. Pode ser também referida à palavra hebraica kevál, que significa “o mesmo que nada”.
Na Bíblia esse nome aparece primeiro de tudo come uma cidade dada à tribo de Aser, como parte da sua herança. E até hoje existe uma moderna Cabul, situada a uns 13 km de Aco.
Não sabemos por que o rei Hiram não gostou desses lugares, pois nada é dito na Bíblia. Sabemos que Isaías definiu toda a Galileia como terra das nações (9,1) e isso denota a presença nela de pessoas que não eram descendentes de hebreus, pessoas pagãs. Não parece provável que Salomão as entregasse a um rei estrangeiro se fossem habitadas por israelitas, e elas talvez se encontrassem mesmo fora das fronteiras realmente habitadas por Israel, embora ainda estivessem dentro dos limites da região originalmente prometida por Deus a Israel e conquistada pelo pai de Salomão, Davi.