O título acima se refere à célebre resposta de Jesus a Pedro, que perguntava quantas vezes o cristão tinha que perdoar o próximo, se era até 7 vezes.
Contexto
Como sempre acontece, é fundamental ver o contexto em que um texto aparece. Estamos no Evangelho de Mateus, no quarto grande discurso de Jesus, onde ele fala sobre a vida do cristão que vive em comunidade. Tendo ele falado da exigência da correção fraterna e do perdão recíproco, Pedro faz a pergunta a Cristo, que dá uma resposta peremptória, mas também diz mais, conta o que acontece no Reino dos Céus, coisa que deve inspirar o comportamento cristão.
É um ensinamento que todos conhecemos e que é decisivo para nós, mas na hora “h”, no momento da sua aplicação, não conseguimos colocá-lo em prática.
Sinal de Caim
Pedro se aproxima de Cristo e reconhece que o perdão é algo necessário. Tinha entendido a importância da mensagem de Cristo sobre a correção fraterna, sobre o aspecto fundamental da reconciliação. E, ao contrário do ambiente em que vivia, que dizia que era necessário perdoar até 3 vezes, aumenta o número: 7 vezes! Imaginamos que Pedro esperasse um louvor por parte de Jesus, mas, como sempre, Jesus vai além; é preciso perdoar muito mais: 70 vezes 7! Essa expressão não é usada por acaso, mas recorda uma lógica já revelada em Gênesis 4, diante de situações de homicídios que o contexto pedia vingança. Coisa que não acontece, graças à intervenção divina. O contato com o Antigo Testamento não é 100% literal, mas com certeza o diálogo entre Jesus e Pedro tem a ver com o primeiro livro da Bíblia.
Em Gênesis 4,24 lemos:
“É que caim é vingado sete vezes, mas Lamec, setenta e sete vezes”.
Essa passagem, que testemunha o aumento da violência na sociedade, depois da criação, lembra do sinal que Deus colocou na fronte de Caim, para que não fosse morto por causa do crime que havia cometido, contra o irmão Abel. Caim, assassino descoberto por Deus, teve medo da represália que lhe tocaria, segundo a lei do “goel”, ou seja, a condenação à morte. Deus, apesar desse costume que existia, lhe garante a proteção, prometendo que quem o tocasse seria vingado sete vezes (Gênesis 4,15). Tradicionalmente, quando alguém cometia um assassinato, pertencendo a um grupo, era expulso e, de consequência, não mais protegido por esse grupo e assim, se algo lhe acontecesse, ninguém o vingaria, pois desprotegido.O sinal de Caim mostra que ele não é vagabundo, mas pertence a um grupo que o protege de eventual violência, que seria vingada. É essa mesma proteção, ainda maior, que pede o descendente de Caim, Lamec, que por sua vez havia matado duas pessoas.
Esses números revelam a lógica divina de interromper a cadeia de violência. Quanto mais aumenta a violência, tanto mais deve aumentar os elementos que previnem a violência.
Perdoado por milhões, peço centavos
Depois da pergunta de Pedro, segue a parábola de Jesus sobre o creditor sem piedade (Mateus 18,23-35). Essa parábloa ilustra a revelação divina, mostrando que à lógica da vingança é contraposto o perdão sem limite (70 x 7). Essa é a atitude divina em relação ao ser humano.
A parábola mostra um homem perdoado da sua dívida de milhões. Por sua vez, não consegue perdoar os “centésimos” que outra pessoa lhe devia. Era no seu direito ter aquele dinheiro que emprestara. Por isso, no fundo, não pede nada que não seja no seu direito: quer ser pagado. Ele, em poucas palavras, é correto, embora sem piedade, honesto e, ao mesmo tempo, cruel. No fundo representa a todos nós: calculamos com exatidão nossos direitos e nem sempre pensamos nos deveres. Seguimos a lógica humana, de dar a cada um o seu.
Deus, por sua parte, faz uma reviravolta: não conta a equivalência, o equilíbrio entre o dar e ter; com Deus não funciona a lógica das contas empatadas. Deus quer o exagero: perdoar 70 vezes 7, amar os inimigos, dar a outra face, dar sem medida.
Quem alguém não perdoa, respondendo uma ofensa com uma outra, aumenta o nível de dor e violência. Se não perdoo uma dívida, crio um outro laço, aumento as cadeias da prisão. O perdão, ao contrário, liberta o prisioneiro dos nós malvados que impedem de olhar para o futuro com esperança, de sonhar com uma vida nova. Deus nos perdoa, ao infinito, sem considerar nossas lógicas numéricas.