Lucas, na verdade Adão e Eva não foram dois personagens históricos, como estamos acostumados a entender. Adão e Eva são símbolos da humanidade. Por isso toda tentativa de reconstruir a ‘história’ desses personagens nos levará a enganos. Devemos entender os primeiros capítulos da Bíblia usando instrumentos de crítica literária, que nos levam a ler as histórias da criação como elementos mitológicos, que o autor, inspirado por Deus, usou para transmitir a sua concepção do ser humano. Para ele, homem e mulher são criaturas de Deus, tem a mesma dignidade e ocupam um lugar central no plano divino.

Segundo a Bíblia, existem duas histórias da criação. Eva é o nome que Adão, o primeiro homem, deu a sua companheira na segunda história (Gênesis 2,7-22). Os elementos mitológicos são evidentes já na etimologia desses nomes: Eva significa ‘vivente’, ‘que traz vida’ e Adão ‘humanidade’, ‘da terra’.

Na primeira história da criação (Gênesis capítulo 1,26-28), quem normalmente chamamos "Eva" era simplesmente ‘mulher’ e Adão se chamava ‘homem’. No português não é muito claro, mas o original desses nomes é muito importante. O primeiro nome de Adão era, nessa narração, em hebraico ‘ish’, literalmente ‘macho’. Invés o primeiro nome de Eva era ‘ishshah’, que em hebraico é simplesmente o feminino de ‘ish’. É como se chamássemos Adão ‘macho’ e Eva ‘macha’.

Esses dados etimológicos são muito importantes, pois revelam uma relação essencial entre os dois sexos, seja por origem que por finalidade: a mulher forma uma unidade com o homem.

Considerando a frase dita logo no início da resposta, não dá pra dizer historicamente que Eva foi a primeira mulher de Adão. Devemos dizer, invés, que a Bíblia ensina, através dos primeiros capítulos da Bíblia, que a mulher é intimamente ligada ao homem e o homem à mulher e qualquer desigualdade não é vontade de Deus.

Outro tema na sua pergunta é a questão relacionada com Lilit. A sua questão deviva do fato que uma tradição hebraica, muito recente, diga que Lilith foi a primeira mulher de Adão, ou seja, que os dois teriam vivido no paraíso antes que fosse criada Eva. São tradições que alguns ligam à Kabala, mas não tem nenhuma referência Bíblica. Essa tradição se desenvolve sobretudo a cerca de 1200 anos depois de Cristo e está presente sobretudo num livro chamado Zohar (Livro do explendor), que faz parte da literatura hebraica. Esse escrito sofre influência de palavras dos rabinos presentes no Talmud, outro livro da literatura hebraica, não presente na Bíblia, colocado por escrito vários anos depois de Cristo. Portanto é uma tradição colocada por escrito há pouco tempo, muito mais recente que os textos bíblicos.

Mesmo se a importância dada a esse personagem nasce de literatura extra-bíblica, o nome Lilit aparece na Bíblia, uma única vez, em Isaías 34,14. Assim diz o texto:

Os gatos selvagens conviverão aí com as hienas, os sátiros chamarão seus companheiros. Ali descansará Lilit, e achará um pouso para si (texto da Bíblia de Jerusalém).

Trata-se de uma descrição do fim trágico do reino de Edom. E ao descrever como acabará esse povo inimigo de Israel, sublinha que as suas terras serão ocupadas por essa “Lilit”.

No período em que essa passagem foi escrita, Israel sofria muito a influência da Babilônia e lá eles tinham uma deusa chamada Lilitu. Era um tipo de demônio feminino, noturno. Poderíamos compara-lo ao nosso ‘vampiro’. É provável que daí nasça a tradição desse personagem misterioso, citado por Isaías.

Mais tarde a tradição hebraica, repito, muito tardia, fala dela como a primeira esposa de adão, que voou embora para se tornar um demônio, como um monstro legendário que rapitava e matava as crianças recém nascidas ou como um demônio contra quem se recorria à magia para expulsá-lo das casas dos homens para evitar que trouxesse desgraças.