Antonio, a insistência sobre o contraste entre rico e pobre, sobre o uso correto dos bens materiais é típica na teologia de Lucas, que traz muitos ensinamentos de Jesus sobre o tema.
Apresentando um exemplo, o exegeta Joseph Fitzmeyer (Luke the theologian, 1989) sublinha como no Evangelho de Marcos (1,18.20) os discípulos são convidados por Jesus a deixar as suas redes e a segui-lo, enquanto que em Lucas 5,11 Jesus diz para os discípulos para �??deixar tudo�?�. Há outros textos em Lucas onde aparece o contraste entre ricos e pobres: 1,53; 3,11.14; 4,18; 6,20-24; 14,13 - além do texto da nossa parábola, 16,19-31.

Tendo presente essa introdução, abre-se uma possível perspectiva em relação ao texto citado por você: em primeiro lugar é frisada a relação entre rico e pobre. O contexto da narração na qual aparece a parábola parece que confirma esta tese. Estamos dentro de um capítulo no qual o ensinamento sobre o Reino de Deus e os critérios para entrar nele são protagonistas e a nossa passagem em particular encerra uma sessão na qual encontramos muitas referências à riqueza: a parábola do administrator desonesto (16,1-8), o ditado sobre Deus e Mammona (16,9-13), sobre os amantes do dinheiro (16,14-15), sobre as exigências para entrar no Reino (16,16-18). Esta passagem sobre o pobre Lázaro e o rico traz o doutrina cristã sobre a relação entre riquezas materiais e o Reino de Deus: as conseqüências reais e irremediáveis do comportamento da pessoa não em conformidade com a �??lei dos profetas�?� (16,29) se manifestarão depis da morte.

Lendo a passagem nos damos conta, primeiro de tudo, do fato que o rico, ao contrário do pobre, não tem nome. Se considerarmos que na Bíblia o �??nome�?? tem um significado profundo, pois manifesta a identidade e a intimidade da pessoa, o fato que o nome do rico não vem dito certamente tem um sentido. Na verdade exatamente aquilo que materialmente (no sentido capitalista) �??dá o nome�?? a uma pessoa, ou seja, a riqueza, os honores, os vestidos chiques, na visão de Deus tem um efeito contrário: o anonimato absoluto. Estamos diante de uma pessoa que no Reino de Deus é desconhecida e, em certo sentido, desconhecida até mesmo por Deus (lembremos aquilo que Jesus diz às �??virgens espertas�?� em Mateus 25,12, sempre quando fala do juízo e da entrada e esclusão do Reino: �??na verdadevos digo: não vos conheço!�?�). A riqueza tratada como faz o rico da parábola tem, diante de Deus, a consequência de apagar o próprio �??nome�??.

O pobre lázaro, invés, que se encontra na situação limítrofe de uma doença repugnante e da fome, que �??jaz�?? imóvel, dependendo completamente da piedade dos outros, é conhecido pelo nome: pelo rico, não apenas por que convive, mas por que é um impotente e, por isso, está à mercê do potente, que conhece tudo sobre ele, que lhe tem nas suas mãos. �? conhecido, portém, também no Reino dos Céus (Abraão lhe chama por nome), mesmo se os motivos deste previlégio não são ditos na parábola.
Outro contraste surge com a morte dos dois personagens. O destino humano que faz com que sejamos todos uguais, a morte, revela-se como ponto crucial através do qual a situação se transforma, se rivolta. Isto se vê já através dos vocábulos utilizados: enquanto Lázaro (que não tem ninguém que lhe sepulte) é �??conduzido ao sieo de Abraão�??, o rico é �??sepultado�?? e basta. Lázaro condivide o detino dos profetas, no seio de Abraão, mas o rico se encontra agora abaixo, lá onde estava Lázaro durante a sua vida terrena. Agora é o rico que tem que levantar os olhos para cima, para rogar piedade.

O rico, que se dá conta do seu comportamento errôneo e que também sabe que já não existe mais nada a fazer para remediar o mal feito, se preocupa pelos seus parentes; deseja que não tenham o mesmo destino que coube a ele. Eu creio que é a conclusão da narração que nos ilumina de forma clara e nos ajuda a encontrar uma explicação à sua pergunta.
A �??Lei�?� e os �??Profetas�?� (leia-se, com esta expressão, o resumo de todo o ensinamento do Antigo Testamento, do Pentateuco a aos profetas) são os critérios para o comportamento correto na vida, o critério que nunca foi tido em consideração pelo rico, um parâmetro que sempre acompanha a vida daqueles que se definem fiéis a Deus.

A atuação do rico durante o nosso texto sublinha como ele é o protagonista da parábola. Ele não praticou a justiça comandada pela Lei e pelos Profetas e isto lhe excluiu do Reino. Condividem o seu destino todos aqueles que repetem o seu modo de agir e que não escutam nem mesmo aquele que ressuscitou dos mortos que, vivo, continua proclamando a mesma doutrina.

Díziamos que nada é dito sobre o motivo do privilégio de Lázaro, o pobre. Não é sem razão: quem escuta o ensinamento que traz a parábola não deve se preocupar com este particular. A atitude daquele que �??faz justiça, prescinde dos juízos sobre a �??dignidade�?? daquele que encontra diante de si. A única coisa que interessa é escutar o grito do pobre. Podemos aqui lembrar uma outra narração, que traz uma doutrina parecida, ou seja, a parábola do Bom Samaritano, que Jesus usa como exemplo para responder à pergunta sobre �??quem é o meu próximo�?�. Porém também aqui somos convidados a mudar a nossa pergunta, que deve ser �??o que tenho que fazer EU para entrar no Reino de Deus?�?�

Para responder de modo mais esplicito à sua pergunta, Antonio, no texto de Lucas não tem nenhuma importância o fato que Lázaro tenha ou não fé. Importa invés que o rico se comporta como alguém que não tem nenhuma. Entrar no Reino de Deus é questão de justiça, de justiça na relação com os outros realizada com os próprios bens e a própria posição; depende de como respondemos ao pedido de piedade e justiça, independentemente dos méritos de quem está fazendo o pedido, pois não cabe a nós estabelecer quem, entre aqueles que nos suplicam ajuda, seja digno de entrar no seio de Abraão.