Excelente pergunta que nos permite retomar algumas ideias já difundidas nesse nosso site. Partimos de uma verdade fundamental: a humanidade foi criada por Deus. A criação, como contada em Gênesis, é uma imagem que descreve essa realidade, sem ter a pretensão de ser uma narração histórica, que conta tin tin por tin tin como as coisas realmente aconteceram. Adão e Eva, como personagens históricos não existiram. A história, entendida como cronologia, do “primeiro” ser humano espera pelo relato que vem das ciências e com certeza está ligada à história da evolução da espécie humana. Diante dessa premissa, não é correto por a questão de quem veio primeiro, se Adão e Eva ou o Homem de Neandertal, que teria surgido há 400 mil anos, 100 mil anos antes do Homo Sapiens.

De maneira sintética, sublinhamos que os primeiros 11 capítulos da Bíblia devem ser lidos como um texto que toma conteúdos mitológicos para dar uma resposta, à luz da fé do povo judeu, às perguntas fundamentais da nossa existência. Dizer isso, repetimos, não significa jogar fora todas aquelas convicções que você tem, que se baseiam em séculos de ensinamento por parte da tradição, tanto judaica quanto cristã, de que Deus criou tudo, no início do mundo. De fato, a Bíblia não erra e não errou também quando lá em Gênesis 1 e 2 diz que Deus criou o ser humano. Não é fácil perceber, graças também ao errado foco de gerações de pessoas que ensinaram as Sagradas Escrituras, que há uma diferença entre a verdade bíblica e o texto bíblico. O texto que está nas páginas bíblicas é uma expressão da inspiração divina que não excluiu a mão humana, mas, ao contrário, a adotou, com todos os seus limites de tempo e contexto. Por isso, mesmo quando há erros evidentes nos textos – veja por exemplo, as passagens contraditórias dentro da Bíblia – não devemos atribuir a ela um erro, mas é uma oportunidade para entender que Deus usou o ser humano como instrumento, assumindo tuto o que tem de próprio da humanidade, os seus limites e contradições. Como numa metáfora, o elemento usado para transmitir uma verdade não é determinante, embora fundamental para passar a mensagem. O elemento “texto” da Bíblia é apenas um instrumento, que encerra em si todas as características próprias do tempo em que nasceu. Às vezes, o leitor precisa ter consciência que por trás das palavras há uma mensagem profunda, que as ultrapassa e que o texto é como um “vestito” que contém a essência, mas que não é, em si, a essência.

Que a Bíblia não tem a intenção de contar um fato cronológico, quando fala da criação do ser humano, é evidente pelo simples fato que aparecem duas histórias da criação, nos capítulos 1 e 2 de Gênesis. Até Gênesis 2,4a temos uma história da criação e a partir da segunda metade do versículo 4 começa outra história. Na primeira tudo é criado em 7 dias, incluindo o repouso divino e na segunda Deus cria o ser humano da argila do solo, colocando-o no Éden com a “mulher”, criada da sua costela.

Em 1,27 temos:

“Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou, homem e mulher ele os criou”.

Em 2,5 lemos:

Não havia ainda nenhum arbusto dos campos sobre a terra e nenhuma erva dos campos tinha ainda crescido, porque Iahweh Deus não tinha feito chover sobre a terra e não havia homem para cultivar o solo.

Como assim ainda “não havia homem”? Não fora criado em Gênesis 1,27?

O autor de Gênesis não sabe quando cronologicamente o ser humano foi criado e não se preocupa com isso. Por isso pode colocar duas histórias diferentes, pois quer simplesmente dar uma resposta fundamental sobre a nossa origem: viemos de Deus. O “vestido” que serve para contar essa verdade pode muito bem ser relativizado e visto e estudado como uma construção literária. O primeiro homem e mulher não são criação literária, mas obra de Deus. A criação literária é o texto de Gênesis que mostra essa verdade.