A excomunhão, praticada nas igreja da origem e também prevista hoje, tanto na igreja católica quanto naquelas protestantes, é algo diferente da falta de caridade. A caridade é um gesto de amor em relação a alguém em necessidade, enquanto que a excomunhão é uma ação disciplinar que visa chamar a atenção para um erro e se propõe a correção da própria ação. A excomunhão é um dispositivo punitivo da Igreja e vai além de simplesmente restrição ao acesso à Sagrada Comunhão. No fundo, com a pena de excomunhão, a Igreja não tenta de nenhuma maneira restringir o campo da misericórdia, mas simplesmente se evidencia a gravidade do crime.

 

Na Bíblia

A excomunhão, no Antigo Testamento é o Anátema, palavra que vem grego e significa “maldito”, “afastado”. Essa palavra é a tradução do vocábulo hebraico «Herem» que tem o significado “fora do limite”, “tabu” ou “destinado à destruição” e ainda “maldito”. Com o tempo, adquiriu o significado de “separado”. Um caso famoso é aquele do rei Saul, que depois da vitória contra os amalecitas, poupou o rei vencido, Agag, e “tudo o que havia de melhor do gado miúdo e graúdo, os animais gordos e as ovelhas, enfim, tudo o que havia de bom” (1Samuel 15,9). Por isso Saul foi rejeitado pelo Senhor.

Portanto, Herem no AT era basicamente algo reservado ao Senhor, uma oferta reservada a Deus.

Nesse sentido, talvez também no Novo Testamento aparece esse significado, como em Romanos 9,3: “quisera eu mesmo ser anátema, separado de Cristo”.

Devemos ver isso do ponto de vista do sagrado, que, por causa da sua natureza, é como um “objeto de maldição”. Não se trataria de uma categoria moral, mas de algo que tem a ver com o divino. É a mesma lógica que está por trás das leis inerentes ao puro e impuro.

Muitos, porém, sublinham o valor de desonra, exclusão e punição da palavra anátema. Em alguns casos um indivíduo pronuncia um anátema sobre sua pessoa se ele mesmo valoriza certas condições inacabadas (Atos 23,12.14.21 – Veja 1Coríntios 12,3; Gálatas 1,8-9). Também em 1Coríntios 16,22 anátema denota que todos aqueles que não amam o Senhor são objeto de ódio e repulsa por parte de todos os santos: eles são culpados de um crime que merece a mais severa condenação; eles são expostos à sentença de "destruição definitiva do Senhor". A visão alternativa é que São Paulo está dizendo que aqueles que não amam o Senhor devem ser oferecidos a Deus.

 

Excomunhão na Igreja

Com o tempo, para a Igreja cristã, o termo anátema passou a significar uma forma de sanção religiosa extrema sob pena de excomunhão. O primeiro caso em que tal sansão foi usada foi no Concílio de Elvira (ano 306), e depois disso tornou-se o método mais comum para a eliminação dos hereges. No século V, foi feita uma distinção formal entre anátema e excomunhão, onde a excomunhão previa a exclusão de uma pessoa ou grupo de pessoas do rito da Eucaristia e a atenção ao culto, enquanto que o anátema significava uma completa separação do sujeito do Corpo de Cristo.

Outros exemplos, entre os casos emblemáticos, podemos citar, na Igreja primitiva, Santo Ambrósio, Bispo de Milão, usou a ameaça de excomunhão contra o imperador Teodósio I pela matança de 7.000 pessoas em Tessalônica. Disse ao imperador que imite o rei Davi em seu arrependimento e o readmitiu à comunhão depois de vários meses de penitência.

Em 1054, quando ocorreu o cisma do Oriente entre a Igreja do Ocidente (católica) e a Igreja do Oriente (ortodoxa), o Papa (através de seus enviados) e o Patriarca de Constantinopla se excomungaram mutuamente. Estas excomunhões só foram canceladas em 1964, por ocasião do encontro entre o Papa Paulo VI e o Patriarca Athenagoras I.

Na Idade Média, o Papa Gregório VII excomungou o imperador romano Henrique IV sobre muitos temas em disputa, um dos quais foi a tentativa de Henrique de derrubar Gregório do papado. A excomunhão de Henrique causou um efeito profundo na Alemanha e na Itália. Em resposta, Henrique se sentiu obrigado a viajar à Canossa e esperar na neve durante três dias; onde fez penitência e finalmente foi absolvido da excomunhão. Na Europa medieval, onde quase todo mundo era católico, o imperador necessitava da Igreja e, portanto, a excomunhão era eficaz.

No século XVI, a excomunhão de Martinho Lutero, Henrique VIII e Isabel I gerou um efeito reduzido a nível pessoal ou sobre seus seguidores. O uso desta como uma arma gerou simpatia ao ofensor e frequentemente conduziu a um respaldo à dissidência.

Mais recentemente, em 1988, foi excomungado o Arcebispo francês Marcel Lefebvre (que faleceu excomungado), o qual ordenou quatro bispos sem permissão do Papa.

Em 2009, Bento XVI levantou a excomunhão que pesava sobre eles e desde então as negociações entre ambas as instituições continuaram a fim de “reencontrar a plena comunhão com a Igreja”.

Outro exemplo contemporâneo de uma excomunhão aconteceu em 2010, quando a Irmã Margaret McBride autorizou um aborto no hospital católico de Phoenix. Mais tarde, a religiosa se reconciliou com a Igreja e sua pena foi perdoada.

Em 2016, durante o Pontificado do Papa Francisco, houve a excomunhão da autodenominada “Igreja Cristã Universal da Nova Jerusalém”, fundada na Itália pela suposta vidente Giuseppina Norcia e que atua em Galliano, uma pequena localidade ao sudeste de Roma. O Vaticano determinou que “aqueles que aderirem à tal associação incorrem na excomunhão ‘latae sententiae’ pelo delito de cisma”.

 

Igreja Católica

Como para outras normas da Igreja Católica, as excomunhões são definidas pelo Código de Direito Canônico, nos cânones 1331 e 1364-1398.

Elas podem ser latae sententiae, quando a ação em si tem como consequência a excomunhão, sem ter que ser imposta por alguém da Igreja; a pessoa é automaticamente excomungada. Outro tipo é aquela excomunhão determinada por um tribunal eclesiástico.

Algumas excomunhões podem ser tiradas, suspendidas pelo sacerdote, durante uma confissão, por exemplo. Outras são reservadas ao bispo e há outras que só podem ser suspendidas pela Santa Sé, pelo Vaticano.

Alguns exemplos de excomunhão ipso facto, automaticamente:

  • Profanação da hóstia
  • Violência contra o papa
  • Bispo que consagra outro bispo, sem mandato do Papa
  • Revelação da identidade e pecado de quem confessa
  • Quem aborta
  • Quem comete apostasia e causa cisma.