O “Paradoxo” que se atribui a esse filósofo grego, que viveu cerca de 4 séculos antes de Cristo, é uma contestação da fé do judaísmo em Deus. Esse debate parte da observação da natureza divina e da existência do mal na terra. A reflexão desse filósofo é conhecida graças àquilo que foi transmitido pelo escritor Lúcio Lactâncio (do tempo de Constantino). Segundo ele, esse seria o raciocínio de Epicuro:

  • Deus, ou quer eliminar o mal, mas não pode, ou pode, mas não quer; ou não quer e não pode; ou, finalmente, quer e pode.
    • Se quer e não pode, é impotente, coisa inadmissível em Deus.
    • Se pode, mas não quer, é invejoso, coisa estranha a Deus.
    • Se não quer e não pode, então é invejoso e impotente e isso também não pode ser atribuído a Deus. 
    • Se quer e não pode, o que convém apenas a Deus, então de onde vem o mal? E por que ele não o elimina?

Essa reflexão nada mais é do que uma etapa no debate sobre a origem do mal e a relação nossa e de Deus com ele. Desde o início, a humanidade se pôs a pergunta: Por que o mal? Por que as doenças? E como o ser humano não consegue encontrar uma resposta na sua condição existencial, o seu refúgio é a religião, o divino.

Obviamente não podemos aceitar esse “paradoxo”, que coloca em xeque a onipotência divina. Como rejeitá-lo ou contestá-lo? A única solução é entender a origem do mal. E para isso proponho as reflexões que seguem abaixo, repassando um pouco do processo da reflexão teológica feita inclusive dentro da própria bíblia.

Nessa reflexão sublinhamos o papel da doença como uma experiência concreta do mal, que todos nós, de alguma maneira, conhecemos bem.

 

Dois deuses?

Nos primórdios, a primeira resposta da religião foi que existiam duas divindades, uma boa, que era o Deus Criador, aquele que dá vida, o bem-estar, a saúde, e outra má, o deus da morte, da doença da pobreza. Tratava-se de uma resposta simples, mas que resolvia o problema.

Quando progressivamente os hebreus chegaram à convicção da existência de um Deus único, YHWH, eliminou-se a divindade negativa e ao Deus de Israel foi atribuído tudo: bem e mal, morte e vida, saúde e doença (veja, por exemplo, Sirácide 11,14).

É verdade que o desenvolvimento teológico, aos poucos, eliminou todo envolvimento divino com o mal, mas, de qualquer forma, ficava ligado a Ele aspectos da doença, pobreza, morte e desgraças em geral.

 

O pecado e a nossa culpa

A “solução” foi a criação da categoria “pecado”. Com isso, não era mais Deus autor do mal, das doenças e das desgraças, mas o ser humano, com seu comportamento contrário à Lei divina se tornava responsável do justo castigo divino. A obediência a Deus, sob esse ponto de vista, era garantia de vida feliz.

A Bíblia testemunha em diversas passagens essa visão:

  • Ao justo nada de mal acontece, mas os injustos vivem cheios de desgraças (Provérbios 12,44)
  • Quem peca contra o seu Criador, que caia nas mãos do médico! (Sirácide 38,15)
  • Sirvam a Javé, Deus de vocês, e então ele abençoará o pão e a água, e afastarei a doença do meio de vocês (Êxodo 23,25)

Essa teologia, todavia, não era confirmada na realidade. De fato, haviam justos que sofriam, que ficam doentes e morriam precocemente, enquanto que ímpios viviam no meio da riqueza e até a velhice. A solução foi piorar a imagem de Deus e sublinhar que o castigo divino se dirigia não apenas aos culpados, mas também aos seus descendentes:

Javé, paciente e misericordioso, que perdoas a culpa e a transgressão, mas não nos deixas sem castigo; que castigas a culpa dos pais em seus filhos, netos e bisnetos (Números 14,18)

Essa teologia não vingou e foi rejeitada pelos profetas (veja Ezequiel 18,19-20), dizendo que cada um paga pelo próprio pecado. Mas também essa lógica não dava respostas para tudo.

Com Jó se afirma que não é verdade que o mal era a punição pela culpa dos seres humanos. De fato, ele era o mais justo na terra, mas mesmo assim sofreu tanto. Para o livro de Jó o mal precisava ser aceitado:

Se aceitamos de Deus os bens, devemos também aceitar os males (Jó 2,10).

Desse jeito tornou a impressão de que o mal vem de Deus, que é um castigo.

E praticamente é essa a ideia que perpassa também a nós, provavelmente porque assim foi transmitido pela igreja, no curso da história. A relação entre doença e culpa penetrou no íntimo das pessoas, mesmo tendo Jesus sublinhando, como veremos, a ausência de relação entre essas duas coisas. Quando alguém se descobre doente, primeiro de tudo diz: “não é possível” e, depois vem a incredulidade: “não é possível”. Então chega o rejeito, a raiva: “por que a mim?”. E finalmente o terrível sentido de culpa: “o que fiz de mal para merecer tudo isso?”.

 

A revelação de Jesus

No tempo de Cristo predomina a doutrina do mérito e do castigo, sendo a doença vista como punição divina pelo pecado, como se pode ver no Talmud: “quem vê um mutilado, um cego, um leproso, um manco deve dizer: ‘bendito o juiz justo’” (Ber. 58b).

Em João 9, quando os discípulos de Cristo vêem uma pessoa que nasceu cega perguntam a ele: “pecou ele ou os seus pais para que nascesse cego?” Jesus, com sua resposta, exclui categoricamente a ligação entre pecado e doença: “nem ele pecou, nem seus pais, mas é para que nele se manifeste as obras de Deus” (João 9,3).

Jesus, na prática, não fala de maneira doutrinal, mas cuida do homem. Por isso, não trata sobre a doença, mas cuida dos doentes (veja Mateus 4,23). Exclui a ideia de castigo divino e, no conjunto, muda o conceito de pecado: não é ofensa a Deus, mas ao ser humano (veja Marcos 7,20-23).

Vista a atividade de curas que realiza, Jesus cria uma estreita ligação entre o anúncio do Reino e a liberação das doenças. Com o seu ensinamento e ação, contesta a falsa imagem de Deus como aquele que castiga com a doença o pecador: Deus é aquele que liberta do mal, não aquele que o envia.

Ao mesmo tempo, Cristo não pede a quem sofre de aceitar a situação como expressão da vontade divina ou de oferece a Deus o próprio sofrimento para salvar a humanidade pecadora, mas se oferece para curar.

Jesus não elabora uma teologia do mal ou uma espiritualidade do sofrimento. Não dá explicação, mas age. Não faz teorias, mas cura. Aonde tem morte, leva vida; aonde tem fraqueza, transmite força; aonde tem desespero ,incute coragem, tanto que Paulo diz: “quando sou fraco, é então que sou forte” (2Coríntios 12,10).

 

E a resposta?

O que nos levou a escrever tudo isso foi, em síntese, a pergunta: Se Deus é onipotente, por que existe o mal? E alguém poderia nos contestar dizendo que não respondemos.

Vivemos em usa sociedade sedenta de resposta, em um click. Com coisas importantes da vida não funciona assim. Não existe uma resposta pronta. Estamos buscando. Espero que tenhamos mostrado que Deus não é fonte de mal e que, quando veio ao mundo, fez de tudo para livrar o ser humano da realidade maléfica. E vencendo, com a ressurreição, o mal definitivo, que é a morte, mostrou a completa dicotomia entre o divino e o mal.