A questão da historicidade da Bíblia é um grande tema da exegese e ganhou maior importância com o desenvolvimento da arqueologia e outras discíplinas extra-bíblicas que contribuem a compreender o contexto em que nasceram os livros bíblicos. Existem aqueles que se afanam em provar cada versículo da Bíblica, buscando evidências na arqueologia ou na literatura paralela, e outros que dizem que as Escrituras têm unicamente um carácter espiritual e que não necessitam de provas materiais. O debate mais veemente, como pode resultar evidente, é sobre a historicidade dos relatos evangélicos sobre a vida de Jesus (veja esse articolo).

A verdade por trás dessa dialética é que a Bíblia não é um livro histórico, do ponto de vista que normalmente entendemos "história". Os autores bíblicos não são pessoas que se sentaram e quiseram contar tim tim por tim tim. Isso se conclui já do fato que os relatos não foram escritos no momento em que aconteceram, mas várias décadas depois (evangelhos) ou até mesmo séculos depois, como aconteceu para alguns livros do Antigo Testamento. Como se pode ser um puro histórico escrevendo muitos anos depois que os fatos aconteceram? Pense em escrever sobre o descobrimento do Brasil, há mais de 500 anos atrás... Tem certeza que vai contar direitinho a história? Mas, mesmo não sabendo exatamente como tudo aconteceu, posso dar minha visão do evento, fazer uma reflexão sobre ele. Essa história que contaria não seria pura história, mas uma leitura da história.

Os textos bíblicos, na maioria dos casos, são leituras da história influenciadas pela fé que o escritor tinha em Deus; mais do que mera história, a bíblia é a história de uma caminhada de fé. Além disso, os autores bíblicos contam o que retém importante para transmitir a ação de Deus no percurso histórico do Povo de Deus, da vida de Jesus e da primeira comunidade.

 

A verdade bíblica

Tentando ser mais direto em uma eventual resposta à sua pergunta, poderíamos tomar os primeiros capítulos da Bíblia, aqueles textos que falam do início do ser humano na terra. Como sublinhamos muitas vezes aqui no site, erra quem pensa que Gênesis 1 - 11 sejam relatos "históricos" do que aconteceu no início da terra.

Aquilo que as primeiras páginas bíblicas ensinam são elementos basilares para a vida humana: nos dizem de onde viemos e qual a nossa vocação, desvelando o comportamento humano, sobretudo no que concerne o pecado. Portanto, tudo o que diz a Bíblia é verdadeiro, embora não seja histórico.

Quando a Bíblia diz “no princípio” está dizendo que à base do ser humano está a verdade transmitida pela Bíblia: o ser humano é criado por Deus e viverá em paz com o mundo e com o próximo se observar seus mandamentos!

Repito aqui um texto já citado em outras ocasiões, a propósito de "verdade" na Bíblia. É um texto de Etienne Charpentier, uma pérola que se encontra no livro "Para ler o Antigo Testamento":

Quando se pergunta se o que está na Bíblia é verdadeiro, se um milagre é verdadeiro, antes é necessário nos perguntar sobre o que se entende pela palavra "verdadeiro". Há vários sentidos para essa palavra. Diz-se, por exemplo, "esta história é veradeira", "esse romance é verdadeiro", "esta poesia é verdadeira". Em um romance, embora tudo seja inventado, se pode dizer que ele é 'verdadeiro'. E isso se diz quando ele reproduz bem a realidade humana: nada nele é exato e/ou histórico, mas é verdadeiro. Exato seria o que historicamente aconteceu. Verdairo, invés, é o que reproduz bem o sentido da vida. Portanto, a Bíblia é verdadeira nesse sentido: encontramos nela coisas não exatas; o modo de contar os fatos ou de referir as palavras não é exato, mas é verdadeiro, pois inclue o sentido que nela se descobriu.