É uma pergunta muito interessante. Ela pode ser respondida sob dois pontos de vista.

O primeiro tem a ver com a vida do discípulo de Cristo. Jesus diz em Mateus 16,24-26 (veja também Marcos 8,34-38 e Lucas 9,23-26):

Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me. Pois aquele que quiser salvara a sua vida, a perderá, mas o que perder sua vida por causa de mim, a encontrará. De fato, que aproveitqrá ao homem ganhar o mundo inteiro mas arruinar sua vida? Ou que poderá o homem dar em troca de sua vida?

A mensagem é bem clara: o discípulo deve despojar-se e encarnar na própria vida a Boa Noa, colocando ao centro dela o seguimento de Cristo. Isso pode até comportar consequências dramáticas, como podemos, de fato, ver em crônicas dos jornais ainda hoje. De fato, em muitos lugares do mundo, existem cristãos que perdem a própria vida pelo simples fato de seguirem a Jesus. Não é uma situação almejada por Cristo, mas ele alerta que isso pode acontecer e admoesta para perseverar na estrada, apesar de todas as ameaças que possam existir.

Essa situação era muito comum na comunidade nascente, na igreja primitiva. Os cristãos foram perseguidos, como foi o próprio Cristo. Muitos seguidores de Cristo foram assassinados e os martíres cristãos, nos primeiros séculos da nossa era, foram numerosos. A mensagem de Cristo, no Evangelho, é um convite à perceverança, apesar de tal situação.

 

Cristo sabia que morreria na cruz?

Costumamos dizer que Deus é onisciente, que sabe tudo! Então, como Jesus é Deus, para nós a conclusão poderia ser que é óbvio que Jesus sabia de sua morte. Esquecemos, porém, que Jesus é também homem e que assumiu plenamente essa condição. Não foi um fingimento, um super heroi que se disfarçou e veio para o nosso meio, sabendo bem dos seus poderes, que nada lhe podia acontecer. Deus é verdadeiro homem! Portanto, não sabia que morreria na cruz. É provável que conhecesse o coração humano e sabia que o que estava fazendo o levaria a encontrar dificuldades, a enfrentar o status quo religioso e político daquela época. De fato, as palavras de exortação às quais a sua pergunta se refere, em Mateus, são ditas exatamente em seguida ao assim dito "primeiro anúncio da paixão" (Mateus 16,21-23): 

A partir dessa época, Jesus começou a mostrar aos seus discípulos ser necessário que fosse a Jerusalém e sofresse muito por parte dos anciãos, dos chefes dos sacerdotes e dos escribas, e que fosse morto e ressurgisse ao terceito dia.

Há, finalmente, um último aspecto que gostaria de lembrar. Os evangelhos são obras escritas e não uma "gravação" ao vivo da vida de Cristo. Foram escritos muito tempo depois da morte de Cristo; ao menos 50 anos depois. O Evangelho de João, por exemplo, foi escrito por volta do ano 95 depois de Cristo. Com isso quero dizer que, quando foram escritos, a história já havia acontecido, Jesus já tinha ressuscitado. Por isso a história contada é influenciada por aquilo que aconteceu em seguida e nem sempre é livre de interpretações da comunidade ou do evangelista. Ou seja, em breve, talvez no anúncio de sua paixão, Cristo não tenha falado de "cruz" e de "ressurreição", mas de sofrimento, da necessidade de renúncia de si mesmo. O conteúdo central é de Cristo, mas o texto tal como temos hoje é obra da fé da primeira comunidade.