Bernardo Corrêa d'Almeida acaba de nos apresentar esta obra sobre o Evangelho de São João, fruto duma tese de doutoramento. Há centenas de obras e milhares de artigos sobre este Evangelho, desde os comentários de filologia e de crítica histórica, passando pelos ensaios de teologia bíblica para terminar em ensaios de espiritualidade e pastoral. Este Evangelho chamou a atenção dos Padres da Igreja, teólogos da Idade Média e exegetas "críticos" de há dois séculos a esta parte, partindo quase sempre das grandes diferenças entre os Evangelhos sinópticos e este do "discípulo amado". É o Evangelho dos "símbolos" ou dos "sinais". Ao contrário dos sinópticos, não é o Evangelho do Reino de Deus, nem das parábolas do Reino de Deus, nem dos milagres sinópticos como paradigmas da vinda histórica do Reino de Deus. Também não é o Evangelho da "ceia pascal" e das diatribes contra fariseus, saduceus e herodianos. É, sim, o Evangelho do diálogo "místico" entre o Filho Unigénito e o Pai, e entre os dois e o Paráclito. O "uno" do Pai e o "uno" do Filho geram o "uno" do Paráclito. Trata-se, então, de uma vida "trinitária" única de "revelação" em que o Pai testemunha o Filho e vice-versa e os dois recebem o testemunho narrativo e memorial do Paráclito. Quem escreveu este Evangelho - o desconhecido e misterioso discípulo amado - é o narrador deste testemunho de revelação (21,24: "Este é o discípulo que dá testemunho destas coisas, e que as escreveu. E nós sabemos que o seu testemunho é verdadeiro"). Trata-se, pois, de um Evangelho de testemunho trinitário, isto é, de revelação sobre o verdadeiro Deus. É um Evangelho místico que lança a escada da terra ao céu e do céu à terra ("Ninguém subiu ao céu, senão aquele que desceu do céu, o Filho do Homem"; 3,13).
 
Frei Bernardo entrega-nos o seu testemunho de teólogo e exegeta sobre este livro. Não persegue os caminhos da perspetiva histórico-crítica dos exegetas dos séculos XIX e XX, nem a perspetiva teológica dos teólogos da alegoria, desde os Padres da Igreja até ao século XVIII, mas a perspetiva narrativa do texto como tal. O texto é uma narrativa que, no seu todo, é senhor de si mesmo e do seu significado. Não precisa das "muletas" da crítica histórica para se definir como tal. Quando muito, precisa de ser compreendido no seu contexto literário de revelação bíblica a partir do AT. É desta maneira que o Frei Bernardo Corrêa d'Almeida nos inicia neste mundo de Deus e dos homens. Antes dele, muitos outros o procuraram fazer. Mas há algo de "novo" nesta investigação do nosso autor. A narrativa evangélica é um grande "puzzle" literário que, através dos Sinais que lhe são próprios, manifesta a relação Pai-Filho-Paráclito a concitar a fé livre, aberta e dramática dos homens. Tudo e todos são convocados para esta revelação final sobre Deus e, agora, proclamada aos seus filhos - a humanidade ("Deus, de facto, tanto amou o mundo, que deu o seu Filho Unigénito, para que todo o que acredita nele não pereça, mas tenha a vida eterna"; 3,16). O "novo" da investigação consiste na estrutura literária da obra, desdobrada em revelação contínua, sempre em aumento e igual a si própria. A partir do Logos encarnado (1,14), o homem vive a sua plenitude de VIDA na descoberta desta "nova face" de Deus. A lei da profecia do AT realizada nesta "nova face" de Deus é evidenciada, passo a passo, pelo autor, com quadros bíblicos significativos do AT, da literatura rabínica, de Flávio Josefo e de historiadores gregos e romanos.
 
O autor não persegue a exegese de muitos biblistas atuais, entre os quais me incluo, que partem da realidade da singularidade das comunidades joânicas. Substitui este dado histórico pelo "nós" narrativo do texto. É um bom princípio.»
 
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Joaquim Carreira das Neves, OFM