ALTER, Robert. A Arte da narrativa bíblica. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, 285 p.
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Alter leciona literatura hebraica na Universidade da Califórnia em Berkeley. Autor de vários livros sobre o romance moderno, dedica-se, também à literatura hebraica já tendo publicado diversas obras nesta direção. Dentre elas, destaca-se o Guia Literário da Bíblia (1987) organizado em parceria com Frank Kermode.

A obra é dividida em 9 partes com um prefácio e um índice remissivo. Revela-se, para o interior dos estudos bíblicos, com um grande farol que pode orientar uma leitura não diferente, mas mais atenta do texto. Alter sugere que seu objetivo é, exatamente, �??iluminar as principais características da arte narrativa bíblica�?� (p.9). o que se verifica, ao longo da leitura é o cumprimento da promessa do autor com a sua perícia e sensibilidade na abordagem dos textos por ele selecionados. �? medida em que se avança na leitura da obra, o leitor se depara com um mundo interessante que sempre esteve ao alcance dos olhos mas que talvez não tivesse tido a oportunidade de perceber com mais profundidade. �? bom lembrar, também, o aviso do autor no prefácio: �??na medida do possível, procurei tornar minha argumentação inteligível para os leitores em geral e ao mesmo tempo suficientemente exata para ser útil aos que já dispõem de um conhecimento mais especializado da Bíblia.�?� (p.10).

Uma abordagem literária da Bíblia: �??Qual é o perfil da arte literária da conformação da narrativa bíblica?�?� Essa é a pergunta norteadora da primeira parte da obra. Aqui Alter examina a história de Judá e Tamar (Gn 38) que parece intercalar o episódio da venda de José ao Egito e sua ação no Egito. Toda a argumentação do autor visa demonstrar como a pesquisa tratou este episódio de forma separada sem prestar atenção aos �??links�?� tão evidentes no conteúdo dos mesmo. Desta forma, toda a construção das três perícopes é mostrada, pelo autor, como intimamente ligada e textualmente afim. Disto decorre que �??um exame meticuloso não pode se basear meramente numa impressão geral da narrativa mas deve ser compreendido por meio de uma minuciosa atenção crítica à maneira como o escritor bíblico articula a forma narrativa (p.28).

1. A história sagrada e as origens da prosa de ficção: aqui Alter investiga as relações entre história sagrada na Bíblia e os relatos ficcionais. Chega a pontuar, então, que se pode falar da Bíblia com prosa de ficção. Este é um tema que, não raro, provoca resistências naqueles que se aproximam da Bíblia sem perceber o seu caráter de literatura. Sendo assim, é legítimo que Alter sugira que os escritos bíblicos �??buscavam revelar, mediante o processo narrativo, a realização dos propósitos divinos nos acontecimentos históricos�?� (p.59). parece haver, então, segundo o autor, um combate entre o que é a promessa divina e o que se passa na história. Assim, as histórias não são historiografia, mas �??recriação imaginativa da história feita por um escritor talentoso�?� (p.62). Isso é profundamente interessante uma vez que o narrador fica livre dos grilhões corriqueiros interpretativos que ditam a ele o que, muitas vezes, nós é que queremos dizer.

2. As cenas-padrão e os usos de convenção na Bíblia: Alter investiga os elementos componentes de uma cena-padrão de matrimônio de modo mais evidente. Esta parte da obra é de uma riqueza impressionante onde o leitor se deixa levar pelas artimanhas e propostas do narrador bíblico no enredo de suas cenas. Os exemplos são tirados, basicamente, do livro do Gênesis com incursões pelo �?xodo e Rute.

3. Entre a narração e o diálogo: a noção de evento narrativo é tratada, aqui, pelo autor. Ele destaca a peculiaridade da maneira hebraica de narrar tomando exemplos dos Livros de Samuel. Chama atenção do leitor para a preferência bíblica pelo discurso direto onde o diálogo é altamente usado como forma expressa e fundamental.

4. As técnicas de repetição: como o próprio título sugere, Alter se propõe a analisar as repetições bem características da narrativa bíblica. Ele lembra que muito sugeriram ela pode advir de um �??sentimento�?� oriental de gosto �??pela repetição�?� (p.137). mesmo assim, para ele, podemos estar diante de da existência de um �??padrão intencional�?� na repetição. �? isso que ele aborda nesta parte da obra destacando as estruturas repetitivas com os termos desenvolvidos de: leitwort, motivo, tema, seqüência de ação e cena-padrão.

5. A caracterização de personagens e a arte da reticência: os processos psicológicos na Bíblia não são aprofundados. Não exibem análises minuciosas de causas ou razão. O autor desenvolve uma longa e fundamentada argumentação sobre o silêncio �??seletivo e intencional�?� do narrador diante de figuras bíblicas onde o leitor esperava um pouco mais de informação.

6. Uma arte compósita: diversos seguimentos narrativos e independentes estão presentes num mesmo livro. Assim, se constitui um desafio delimitar um texto e perceber as fronteiras que se estendem ou se encurtam à medida que se lê. Para Alter, as glosas, costuras e fusões podem gerar, não raro, a sensação de confusão. Isso é o que levou a uma abordagem do Pentateuco sob a forma de documentos. Nas linhas dessa parte da obra, o autor analisa a possibilidade de uma confusão propositada pelo narrador bíblico.

7. Narração e conhecimento: começando já uma linha conclusiva para a obra, Alter pontua algumas idéias relevantes para se conhecer melhor o narrador bíblico. Dentre elas, ressalta o aspecto lúdico ao qual o mesmo se entrega preparando bem seu texto aos primeiros leitores que, por sua vez, se deleitavam com tais narrativas. Isso é de fundamental importância para se aproximar da Bíblia com um cuidado maior e perceber que o narrador não é ingênuo mas muito perspicaz ao tecer as suas linhas.

A última parte da obra é a conclusão do autor (seguida do índice remissivo) com elementos esclarecedores para o leitor que se aventura por essa nova maneira de ler o texto bíblico. O espaço de uma resenha deve, apenas, sugerir a leitura e não apresentar toda a obra. Assim, imaginamos que os leitores das presentes linhas possam se debruçar, também, sobre a obra e perceberem o modo leve e profundo com que o autor apresenta suas idéias.