Você se refere a uma célebre passagem presente em Lucas 14, onde o sentido é mesmo de comparação, devendo, portanto ser entendido como "dar preferência". O texto de Lucas conta que Jesus, vendo "grandes multidões" que o seguiam, disse (versículos 26-27):

Se alguém vem a mim e não odeia seu próprio pai e mãe, mulher, filhos, irmãos, irmãs e até a própria vida, não pode ser meu discípulo.

Nesse texto, para o termo em questão, marcado acima, usa-se o verbo grego μισέω (miseó) e seu significado clássico é "odiar". É o mesmo verbo usado, por exemplo em Mateus 5,43, quando lembra o mandamento do amor ao próximo: foi dito: amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo.

Como acenado, não é necessário entender esse verbo como categório, mas precisa compreendê-lo dentro do contexto linguístico dos escritores do Novo Testamento que, mesmo escrevendo em grego, tinham muita influência das línguas semíticas. E, nesse sentido, aqui estamos diante de um assim dito "hebraismo", o uso de uma palavra grega que por trás tem uma concepção semítica. Se voltamos ao texto mencionado acima, de Mateus 5, no Antigo Testamento, mesmo se o evangelho diz "foi dito", não se encontra "odiar o inimigo", pois a língua semítica não consegue dizer dessa maneira, mas diria algo como "Tu não tens obrigação de amar o teu inimigo".

Portanto, podemos dizer que o verbo grego miseó, na passagem mencionada, efetivamente tem um tom de comparação, isto é: amar alguém mais do que outro, renunciar a uma escolha em favor de outra. Trata-se de dar mais importância a uma realidade do que a outra, evidenciando uma escolha do espírito.

Essa explicação se baseia nas conclusões que se podem tirar verificando as 41 vezes que esse verbo aparece no Novo Testamento (veja as passagens aqui).

Essa conclusão, além do mais sublinha que o ódio, como o entendemos, não é algo presente no modo de viver proposto por Cristo. No seu tempo existiam aqueles que odiavam outros grupos, como os essênios. Jesus, ao invés, sabia conviver, sabiar dialogar, mesmo com quem não compreendia o seu ensinamento, como eram alguns fariseus. Ao mesmo tempo, é também verdade que o discípulo tem que fazer uma escolha e ela tem suas consequências: não pode por a mão no arado e olhar para trás... Todavia isso não tem a ver com o ódio, mas com coerência de escolha.