Na época da definição do cânon das Escrituras, entre os séculos II antes de Cristo e IV depois de Cristo (portanto na virada da era entre o Antigo e o Novo Testamento), nasceram muitos escritos que nunca entraram na lista oficial dos livros bíblicos, o cânon, mas mesmo assim, influenciaram muitas obras cristãs. São as obras literárias conhecidas por nós como os livros apócrifos.

O conjunto desses livros cobre uma vasta massa de escritos heterogêneos, com uma história complexa e desigual. O termo grego apócrifo não significa em primeiro lugar "errôneo, herege" em oposição a "canônico, verdadeiro", mas significa uma obra "oculta, secreta, longe do uso habitual ".

O termo “apócrifo”, mais tarde, passou a designar aqueles escritos religiosos que não entram no cânon bíblico porque eram considerados não inspirados, não autênticos, em contraste com as tradições que se estabeleceram ao longo do tempo, e por isso foram progressivamente excluídos do uso público e destinados ao esquecimento.

Considerando que cada uma - ou grupo - das denominações religiosas adotaram diferentes listas de livros tidos como bíblicos, o elenco dos livros que cada denominação retém como apócrifos é diferente. Assim, por exemplo, no que diz respeito ao Antigo Testamento, judeus e protestantes consideram como apócrifos os sete livros, presentes na Bíblia grega dos Setenta, aceitos pelos católicos (que os chamam de "deuterocanônicos", isto é, do "segundo" cânon). Outro exemplo: a maioria dos cristãos – e também os judeus – diz que 1Enoque é um apócrifo, mas para os cristãos etíopes, é um texto bíblico.

 

Apócrifos do Antigo e do Novo Testamento

Normalmente se distinguem os Apócrifos do Antigo e do Novo Testamento. Entre os primeiros (entre os quais se encontram inclusive vários textos de origem cristã) emergem sobretudo os assim ditos “Apocalipses apócrifos”, revelações expressas através de uma linguagem particular que encontramos também dentro da própria Bíblia (trechos de Daniel, passagens nos Evangelhos, Apocalipse de João), e os “Testamentos”, ou seja, as últimas palavras de grandes figuras bíblicas, com conteúdo moralizante. Outros escritos contêm histórias de tom lendário sobre personagens do Antigo Testamento (Ascensão de Isaías, livros de Enoque, livro dos Jubileus, etc.).

Os apócrifos do Novo Testamento nasceram da necessidade dos cristãos das gerações que vieram depois de Jesus de enriquecer com detalhes (normalmente de natureza folclórica) os acontecimentos da vida de Cristo não relatados nos evangelhos canônicos. Entre estes escritos, estão os Evangelhos "judaico-cristãos", de origem palestiniana (por exemplo, o Evangelho dos Hebreus, o Evangelho dos Nazarenos). Outros textos tiveram grande influência na devoção, ainda que não inspirados e não normativos para a fé, como, por exemplo, o Proto-Evangelho de Tiago (século II), ao qual devemos muitas histórias sobre Maria: a história de seu nascimento, sua infância no Templo, os nomes de seus pais. Uma vasta literatura deste tipo também pode ser encontrada no assim chamado “gênero literário dos Atos”, através dos quais a vida e as obras (também nestes casos, muitas vezes em termos fabulosos) dos Apóstolos são contadas: Atos de André, Atos de Paulo, Atos de Pedro e os Doze, etc. Também encontramos cartas, entre os apócrifos: a Carta de Barnabé, as Cartas de Inácio de Antioquia...

 

Escritos gnósticos

Entre os apócrifos estão também os chamados “escritos gnósticos", que expressam uma visão muito pessimista do mundo: foi criado não por Deus, pai de Cristo, mas por um deus inferior, o Demiurgo (normalmente, o Deus do Antigo Testamento, em oposição ao do Novo Testamento); neles, a salvação de Cristo chega aos homens não pela sua morte, mas pela ação racional de sua Palavra. A existência destas doutrinas foi documentada, durante muitos séculos, apenas pelos Padres da Igreja (por exemplo, Irineu, Tertuliano, Orígenes), que rebatiam às polêmicas e escreviam contra eles. Não conhecíamos os originais dessas obras. Mas, em 1945, na localidade de Nag Hammadi, no Egito, foram encontrados papiros contendo as testemunhas consideradas perdidas desta corrente de pensamento, que trouxeram à tona uma imagem muito mais objetiva do cristianismo das origens, que era muito diversificado em ideias, mas também muito fragmentado e conflituoso. Entre esses escritos encontramos, por exemplo, o Evangelho de Tomé e o Evangelho de Judá, que colocam os Apóstolos sob uma má luz.

 

No conjunto, a literatura apócrifa nos mostra um quadro religioso muito diversificado e, no caso do Novo Testamento, a imagem de um Jesus mestre da humanidade, movido pelas paixões mais nobres do ser humano, as de justiça, fraternidade e paz, que exerceram uma influência significativa na produção literária e artística cristã, bem como no campo da devoção e da liturgia.