A sua pergunta é a mesma de tantas outras pessoas, repetidas aqui no nosso site. Essa situação de desconforto deveria nos mostrar que estamos nos aproximando dos primeiros capítulos da Bíblia de maneira errada. Preferimos confirmar nossas interpretações e não deixamos os textos falarem. O mais importante é o texto e não aquilo que pensamos. De fato, as interpretações são indicações que nos permitem percorrer a estrada da Bíblia. Mas elas são históricas, inseridas em um contexto determinado por um tempo. Hoje lemos o texto do Gênesis com interpretações antigas, que pensamos ser a única possível. Elas foram importantes em certo período, mas hoje precisamos abandoná-las e voltar ao texto.

Esse nosso modo de ler o Gênesis, considerando-o como uma descrição histórica do início do mundo, é rejeitado com argumentos incontestáveis pela ciência. No fundo, também nós não podemos rebater aos argumentos científicos e, ao mesmo tempo, não conseguimos deixar para trás a visão clássica que vê em Gênesis a "história" daquilo que aconteceu no início do mundo. Essa situação contraditória faz com que nos afastamos dessas páginas bíblicas, pois pensamos inclusive que pecamos se interpretarmos o texto de maneira diferente daquela clássica, aprendida no catecismo, na nossa infância.

Temos que colocar na nossa cabeça que o autor (autores) do livro não se refere a Adão como o primeiro homem, mas está falando de “humanidade”. Não fala de Paraíso como um local geográfico, mas de uma situação ideal almejada para o mundo por Deus: o ser humano não foi feito para viver dificuldades, para viver influenciado pelo pecado, mas Deus planejou para ele uma vida ideal, um “paraíso”.

Gênesis não é história como estamos acostumados a entendê-la. É uma leitura da vida humana, que projeta o olhar para o “início” e lá tenta encontrar respostas para questões fundamentais da humanidade: quem somos, de onde viemos, que sentido tem a nossa existência. O autor tem diante de si as lágrimas e as vitórias do ser humano que vivia 10 séculos antes de Cristo e medita sobre elas. O autor é um sapiente que não quer responder “quando” e nem “como” aconteceu toda a realidade que está diante dos olhos, mas procura responder que sentido tem o homem, que sentido tem o mundo. Responde não só as perguntas mais importantes, mas busca resposta também para problemas ordinários: por que o ser humano é tentado, por que tem roupas, por que existe o conflito entre as pessoas e os animais, que sentido tem o casamento, por que sentimos Deus longe e, às vezes, próximo...

A coisa mais absurda é tentar harmonizar o texto bíblico com certos argumentos pseudocientíficos. Há por exemplo quem procure ver nos “sete dias” eras geológicas. Não existe nada mais absurdo do que isso.

É necessário abandonar certa interpretação vigente há algumas décadas para deixar desabrochar o verdadeiro sentido do texto dos primeiros capítulos da Bíblia, revelando por exemplo os elementos particulares do autor bíblico, inspirado, que vê em Deus a razão de ser da humanidade, que foi por Ele criada de maneira positiva, coisa que contrasta com elementos mitológicos do Oriente Próximo que utilizou para compor sua narração.