Uma dívida milionária com a companhia de água, divergências entre as várias denominações cristãs e o conflito palestino-israelense são os ingredientes do último drama que ronda o Santo Sepulcro, o lugar mais sagrado para a cristandade.

O problema teve início em 2004, quando a companhia de água Hagihon, de Jerusalém, apresentou aos responsáveis da igreja uma conta de quase 3 milhões de euros, correspondente ao consumo dos últimos 15 anos da basílica onde, segundo a tradição, aconteceu a morte e a ressurreição de Jesus.

As negociações não chegaram a um consenso e a empresa conseguiu recentemente que um tribunal congelasse as contas bancárias do Patriarcado Greco-Ortodoxo que, desde então, viu o banco devolver seus pagamentos e seus credores pedirem recibos e cortarem empréstimos.

A medida drástica gerou uma guerra, na qual os greco-ortodoxos proibiram o acesso dos representantes da Hagihon a suas instalações e ameaçaram fechar o acesso ao Santo Sepulcro, visitado todo ano por milhões de peregrinos e principal destino de boa parte dos turistas que Israel recebe.

Desde que os encanamentos e a água corrente substituíram as cisternas, o Santo Sepulcro foi eximido do pagamento de água, uma tradição respeitada pelas autoridades do Império Otomano, pelo Mandato Britânico, pelos líderes jordanianos e pelos israelenses, após a ocupação da Cidade Antiga e dos territórios palestinos em 1967.

Mas o que diferentes governos permitiram e financiaram a empresa decidiu abolir. Em 1994 Jerusalém privatizou a gestão de água e a concedeu à Hagihon, que não está disposta a doar seus serviços a nenhum local, por mais sagrado que seja.

"A Igreja recebeu doações desde o século 4. Todos os governos cuidaram dela. Como podem os israelenses esperar que paguemos essa quantia agora?", disse Wajeed Nuseibeh, guarda da chave do Santo Sepulcro, que todos os dias abre às quatro da manhã e fecha às sete da noite.

Para Nuseibeh, "o mundo deve se responsabilizar pelas despesas de um lugar histórico tão importante, ao qual a cada dia chegam três mil pessoas e que na Semana Santa recebe mais de 20 mil fiéis".

O padre Stefano, sacerdote greco-ortodoxo e um dos guardas do recinto, declarou revoltado: "O problema de verdade começou quando o governo israelense colocou as mãos em nossas contas. Agora não podemos pagar as despesas de nossos monges, nem nossos compromissos econômicos. Denunciamos ao governo e não pagaremos até que liberem nossas contas".

Segundo o vigário da Custódia da Terra Santa, o franciscano espanhol Artemio Vítores, há alguns anos, durante as negociações com a Hagihon, as autoridades israelenses se ofereceram para solucionar o assunto, mas pediram que fosse escrita uma carta solicitando isso.

"É uma espécie de armadilha, porque se você pede a Israel que resolva o problema, você está de certo modo dizendo que Israel tem autoridade sobre a Cidade Antiga e sobre o Santo Sepulcro. E não se pode fazer isso porque se entra em conflito com a Jordânia, a ANP, a Arábia Saudita e os outros governos, portanto decidimos não fazê-lo", justifica.

No entanto, o vice-custódio acredita que não se chegará de maneira alguma ao fechamento do lugar, justamente pelos contrapesos que há séculos gerenciam o local e dividem o poder de decisão entre três denominações cristãs: a armênia, a greco-ortodoxa e a católica romana.

"Eles (os gregos) não têm autoridade para fechar o Santo Sepulcro. Quem tem que fazer isso são as três comunidades e, nós, apesar de apoiá-los diante da injustiça que fizeram a eles, não achamos que seja motivo suficiente para fechá-lo", opina Vítores.

Na opinião do vice-custódio, fechar a basílica "significa fechar para milhões de peregrinos o motivo pelo qual vieram e fechar o coração do mundo cristão. Todos vêm para isso, para ver com seus próprios olhos, tocar com suas mãos. Fechar o Sepulcro é como tapar a boca ou tapar os olhos dos cristãos. E nem todo o dinheiro do mundo vale isso".

"Se for preciso pagar, pagaremos, mas não com os juros de 20 anos, que são quantias enormes", diz Vítores, que acusa a Prefeitura de Jerusalém de "não ter explicado as condições especiais" da igreja quando privatizou a gestão de água e entregou-a a uma empresa que "não entende nada de tradições".