Como a sinfonia inacabada de outros gênios, assim ficou a última obra de José Comblin, padre e doutor em teologia. Um dia, perguntado sobre qual de seus livros considerava o melhor respondeu: Este que estou escrevendo! Afirmava-o sem hesitação, talvez pressentisse ser sua última obra. Mas também porque desejava completar o conjunto de suas obras sobre o Espírito Santo. 
Quis o destino que não terminasse. Deus veio buscá-lo sem avisos prévios nem delongas. Sua jornada estava cumprida. Sua obra restou inconclusa. Ficou como último presente de seu vasto testamento: provocante, polêmica, eivada de profundo amor a Jesus e à Igreja! Desejava vê-la – a sua Igreja – mensageira, coerente, fiel, seguidora da Tradição de Jesus. José Comblin sempre foi um homem de Igreja, por isso provocava-a à fidelidade evangélica. Queria vê-la livre do peso dos séculos que agregaram tanta coisa que ofuscava a imagem verdadeira de Jesus e desviava da revelação do Pai.
O objeto do seu derradeiro escrito não é um tema novo. Pelo contrário, ao longo de seus escritos, assim como em diversas conferências posteriormente transcritas, ele abordava de uma forma ou de outra os temas que agora apresenta de forma mais incisiva, na perspectiva da fidelidade à tradição de Jesus. A novidade está na clareza da distinção que faz entre o Evangelho e a Religião. Entre a tradição de Jesus e a tradição religiosa. O que é transmitido pelo Evangelho e pelos Atos dos Apóstolos, e o que foi construído a partir das interpretações ao longo dos séculos e sistematizado em doutrinas e ensinamentos da Igreja. 
Nesta obra, ele quis ir mais longe. Ele explicita de modo incisivo, certamente incômodo e desconfortável para alguns, tudo o que foge à verdadeira tradição de Jesus. – Como vamos transmitir a mensagem de Jesus, se o que é ensinado é uma doutrina elaborada posteriormente, marcada pela cultura e realidade, pelos impasses e desafios das épocas seguintes? Inquiria ele. José Comblin parte da constatação da necessidade de elaborar uma nova Teologia e chega ao essencial que é a transmissão da verdadeira Tradição de Jesus pela ação do Espírito Santo na sua Igreja, conforme à sucessão dos títulos que foi dando às distintas redações.
Título:É preciso voltar a Jesus, ao Evangelho. Deixar de lado tudo o que foi acrescentado. É preciso voltar a ser livre. Livres para seguir Jesus Cristo, e não os seguidores de Jesus e o que a Igreja construiu em torno de Jesus. E será tarefa do Espírito interpretar ou atualizar para cada época e cada situação a mensagem e os atos de Jesus, inspirar o agir, o ensinar e o transmitir para cada tempo.
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As quatro redações da sua OBRA maior diferem em parte, repetem-se em alguns pontos e se completam. Cada uma delas tem sua novidade que não se repete da mesma forma na outra. Daí a dificuldade de optar por uma e outra, até porque todas, em maior ou menor parte, estão incompletas. Gostaríamos que todas fossem publicadas na íntegra e simultaneamente, em um ou mais volumes, a critério da editora. Sabemos que encarece o custo final do livro. Mas é a obra final de sua vida... 
Hoje talvez muitos não entenderão, ou irão considerar exagero suas colocações. Ele, porém, descortinava horizontes muito além dos nossos. Ao leitor caberá comparar, pesquisar, fazer a síntese e seguir o diálogo com ele. Quem sabe, mais adiante alguns teólogos/as poderão fazer uma edição crítica desta sua obra, na qual constam as suas intuições acerca do porvir da Igreja e do cristianismo. 
A publicação simultânea e conjunta das quatro redações permitiria descobrir a evolução do pensamento deste teólogo de profunda honestidade intelectual e rara criatividade em termos de proposições. Pensamos entre amigos que a publicação deveria começar pela apresentação da 5ª redação, pois é a primeira vez que Comblin faz uma autoapresentação em seus escritos. Ela é bem elucidativa de sua maneira de pensar e escrever, oferecendo uma chave de leitura para as demais redações. Assim a última redação – a mais curta de todas – viria primeiro. No restante, seguiremos a ordem cronológica. 
(…)
Eis aí a sua obra qual sinfonia inacabada. Você, José Comblin, a deixou inacabada porque terminou a sua Jornada terrestre. Que nós não a deixemos inacabada por abandono do Caminho! Obrigada, José Comblin, pelo seu legado. Você nos entrega a missão de levar adiante a Tradição de Jesus, como discípulos e missionários. Obrigada pelo seu exemplo de discípulo LIVRE, FIEL e PERSEVERANTE! Obrigada pela sua cumplicidade com o ESPÍRITO na transmissão da TRADIÇAO de JESUS!
Monica Maria Muggler
 
Tributo ao Pe. José:
Foi em Barra, uma cidade bela e antiga, debruçada nas barrancas do Rio São Francisco e do Rio Grande, no contexto tranquilo, fraterno e cheio de Deus que Pe. José começou a escrever esta preciosa obra que agora temos a alegria de apresentar. Presumo que tenha assumido em escrevê-la como se fosse seu testamento espiritual, o resumo de todos os seus escritos em vida, sua maneira de pensar, de acreditar, de amar a Deus e a seus semelhantes. Sua forma de ser Igreja e de dizer ao mundo o conteúdo de tudo o que lhe deu razão de viver, ser cristão, sacerdote, teólogo, missionário e profeta do Senhor. Do nascer ao pôr do sol, lá estava em seu computador escrevendo, com uma porção de livros abertos ao seu redor para consultas, indo e voltando nas linhas e parágrafos, costurando idéias, reformulando conceitos, descobrindo novas luzes. Sempre empolgado com Jesus e seu santo modo de agir, sempre irado com tudo o que a história construiu em contradição com a fonte em que sempre bebeu – a do Evangelho. Escreveu várias versões do mesmo texto. Parece que ainda não havia chegado ao que queria de fato. Como o pintor que se esmera na última pincelada, como o músico que busca o acorde final, como o cantor e poeta que procura no recôndito da alma a rima ideal do verso maior de sua vida, Pe. José escrevia a obra-prima de sua existência.
Título:Não conseguiu chegar ao fim. O Paizinho do Céu o chamou antes de colocar o ponto final naquela que seria a escultura de seu pensamento teológico. Mas nós agradecemos da mesma forma a Pe. José. Deixou os alicerces e as paredes construídas. Apenas faltou a cobertura da morada de suas crenças. Teremos o maior respeito pelo que deixou e tentaremos, por tudo o que dele conhecemos, mergulhar em sua utopia.
 
Dom Frei Luiz Flávio Cappio