A pergunta acima foi sintetizada, por óbvias questões editoriais. Por respeito ao nosso leitor, replico aqui abaixo a pergunta na íntegra, como nos chegou.

Não entendo por que uma tradição judaica tem influência no cristianismo? Elas mataram Jesus, tiraram o nome de Deus, em português o mais aceito jeová da bíblia? Não existe escrita original da bíblia, apenas cópias, e as mais antigas têm o nome divino. Não entendo por que a tradição judaica influência o cristianismo. Jesus não condenou a tradição judaica quando estava na terra (Marcos 7,8)?

Na sua colocação tem muito pano para manga. Há nela alguns elementos anti-semitas que fazem parte de um pensamento muito difundido no ambiente cristão e outros pontos que precisam ser esclarecidos. Vou tentar ser claro e não tão extenso.

Em relação à influência judaica no cristianismo, é preciso notar que as duas religiões têm algo em comum: o Antigo Testamento. Nós, cristãos, assumimos que a Bíblia é feita de duas partes, a primeira com livros escritos antes de Cristo, o Antigo Testamento, e a segunda que fala de Cristo, escrita a partir dos apóstolos, depois da morte de Jesus, o Antigo Testamento. A primeira parte, ao menos 39 livros, são comuns entre cristãos e judeus. Isso faz com que seja inevitável uma relação entre as duas religiões. Autoridades da Igreja católica, por exemplo, desse há alguns anos, chamam os judeus de “irmãos na fé” ou de “irmãos mais velhos” (Papa Bento XVI, em 2016). Essa atitude se deve ao fato do livro sagrado em comum e de coincidirmos em um terreno comum, aquele do Antigo Testamento: Deus se revela à humanidade através do povo judeu. Nenhum cristão pode negar isso e essa decisão divina nunca foi revogada, continuando válida até hoje. Diante disso, nós cristãos não podemos negar e, inclusive, devemos acolher, em algum modo, a influência judaica na nossa fé.

O segundo tema que você cita tem a ver com o nome de Deus e com o tema do deicídio, o assassinato de Deus. Acusar os judeus de ter matado Jesus é algo errado. Esse erro fez com que um povo fosse perseguido injustamente durante séculos, culminando no genocídio da metade do século passado, na segunda guerra mundial. Cristo foi assassinado pela gente da sua época, judeus e não judeus.

O nome de Deus não desapareceu da Bíblia e muito menos por influência dos judeus. Para a religião judaica o nome divino é tão sagrado e importante que nem sequer pode ser pronunciado. Esse nome continua na Bíblia hebraica, identificado com as 4 letras, ditas “tetragrama”, YHWH. Eles não pronunciam esse nome, por respeito e quando leem o texto, encontrando essas letras dizem “ADONAI”, que significa “meu Senhor”. Os cristãos perderam essa nuance de respeito e começaram a pronunciar o Tetragrama usando diferentes termos, tais como Jeová e Javé. Esse nome é hebraico. O Novo Testamento, ao invés, foi escrito em grego e seguindo uma tradição que já era comum entre os judeus fora da Palestina, os autores do Novo Testamento não usaram YHWH, mas SENHOR quando pretendiam referir-se a Deus.

E chegamos finalmente ao último ponto da sua colocação, a menção a Marcos 7,8: “abandonais o mandamento de Deus, apegando-vos à tradição dos homens”. Você vê essa passagem como Jesus condenando a tradição judaica. É exatamente o contrário. Se você lê a partir do início do capítulo 7, verá que o que está presente aqui é uma discussão sobre a tradição farisaica. Essa corrente do judaísmo tentou tirar a Lei do templo e levá-la ao povo, mas se confundiu e propagou uma prática incondicional de normas, perdendo de vista o essencial: importava a aparência e não o âmago do mandamento. Jesus denuncia essa hipocrisia e defende a alma da Lei. De fato, no mesmo evangelho de Mateus, em 5,17, lemos: “Não pensem que vim abolir a Lei ou os Profetas; não vim abolir, mas cumprir”.

Para nós cristãos, o cristianismo é a continuação natural do processo de revelação divina começada no Antigo Testamento, com a escolha do Povo Judeu como protagonista do plano divino. Não devemos nunca negar isso. Jesus era judeu praticante, assim como todos os primeiros discípulos. A nossa fé será verdadeira e bem fundada somente quando entendermos que somos irmãos na fé dos judeus.