Lucas dedica a narração de seu evangelho a um certo Teófilo, que significa amigo de Deus. E afirma que relata fatos atestados por testemunhas oculares, pesquisados por ele mesmo, para assegurar ao leitor a solidez dos ensinamentos contidos no Evangelho.

O evangelho começa com a primeira visita de Jesus à sinagoga de Nazaré num sábado, quando era lido Isaias 61, 1-2: “O espírito do Senhor repousa sobre mim. Mandou-me anunciar aos pobres uma boa notícia”, indicando na sua pessoa a realização da profecia: “Hoje se cumpre esta profecia”.

É-nos oferecida a oportunidade de ocupar-nos uma vez do problema da historicidade dos Evangelhos. Cada domingo, comentamos palavras ou fatos da vida de Cristo; mas que garantia de autenticidade oferecem os relatos? São fatos realmente acontecidos, ou somente atribuídos a Cristo por outros? Problema que não podemos deixar sem resposta.

Até a um século atrás, não havia nas pessoas o sentido crítico. Tudo se tomava como historicamente acontecido, palavra por palavra do que Jesus havia dito ou feito. Nasceu então o senso histórico pelo qual antes de acreditar em um fato do passado, este era submetido a um acurado exame crítico para acertar sua veridicidade. E isso aconteceu com maior cuidado em relação aos evangelhos.

Retomemos as várias etapas que a vida e o ensinamento de Jesus, segundo as pesquisas modernas atravessaram antes de chegar até nós. Isso nos ajudará a compreender se e, em que sentido, os evangelhos são escritos históricos. A Igreja, porém, não crê nas Escrituras porque são historicamente demonstradas, mas porque são divinamente inspiradas. Também as partes das quais não se pode demonstrar a historicidade, não cessam por isso de ser reveladas por Deus e assim ser cridas e veneradas pelo crente.

Jesus não escreveu nada, mas na sua pregação usou alguns dados comuns nas culturas antigas, os quais facilitavam muito aprender um texto de memória. Também os escritores inspirados o retinham na mente pronunciado por Jesus. Por exemplo: “os últimos serão os primeiros e os primeiros os últimos”.

Depois da ressurreição de Cristo, os apóstolos, convencidos plenamente que Jesus era o próprio Messias, começavam a anunciar Jesus Cristo aos outros. Ao pregar e ao explicar a sua vida e as suas palavras, tinham em conta as necessidades e circunstâncias dos ouvintes. O seu escopo não era fazer história, mas de levar as pessoas à fé. Assim empregaram também gêneros literários que não tinham todos a mesma pretensão de historicidade.

Trinta anos depois da morte de Cristo, alguns autores começaram a colocar por escrito a pregação chegada até eles por via oral. Nasceram assim os quatro evangelhos. Das muitas coisas chegadas até aos evangelistas, algumas foram escolhidas, outras enfim foram explicadas para adaptá-las às necessidades do momento das comunidades para as quais escreviam. A necessidade de adaptar as palavras de Jesus a exigências novas e diversas, influiu sobre a ordem com que os fatos foram contados nos quatro evangelhos, sob diverso colorido e importância que revestiam, mas sem alterar a verdade fundamental dos mesmos. Alguma preocupação histórica sempre existia. Lucas, mais ainda, fornece detalhes políticos e geográficos do início do ministério público de Jesus.

Os evangelhos, portanto, não são livros históricos no sentido moderno de um relato o mais possível destacado e neutro dos fatos acontecidos. São porém históricos porque aquilo que nos transmitem reflete na substância o acontecido. Para que um fato seja definido “histórico” não basta que tenha realmente acontecido. De fato, fatos aconteceram e acontecem todos os dias, dos quais não resta traço na história. Um relato para ser histórico deve dar conta do fato acontecido e do significado que esse revestiu para quem o viveu.

Jesus Cristo não viveu simplesmente na história, mas criou uma história, e vive agora na história que criou. Quem procura conhecer Cristo não pode prescindir completamente do movimento espiritual que ele iniciou, isto é da fé da Igreja. O núcleo central da mensagem cristã foi submetido ao mais rigoroso exame da crítica, e permaneceu em pé.

Mas talvez o argumento mais convincente da verdade histórica dos evangelhos é aquele que experimentamos dentro de nós quando somos atingidos em profundidade por uma palavra de Cristo. Atrás de toda esta força, intacta depois de dois mil anos, não pode estar um mito inventado por homens. Qual outra palavra, antiga ou nova, teve alguma vez o mesmo poder?

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Texto tirado do site da CNBB