Para quem não conhece a questão a pergunta soa meio sem sentido. Mas é um tema muito comum nas disputas entre católicos e evangélicos, pois tem a ver com a questão da virgindade de Maria. O pano de fundo dessa pergunta poderia ser explicado da seguinte maneira. Os cristãos, desde o Concílio de 553 defendem o dogma da virgindade de Maria. E um dos argumentos que sustentam essa certeza é a profecia de Isaías 7,14, onde está escrito:

Eis que a jovem concebeu e dará à luz um filho e dar-lhe-á o nome de Emanuel

O termo hebraico usado nessa frase, traduzido como “jovem” é “almah” e efetivamente significa donzela ou uma jovem casada recentemente. Em hebraico, o termo usado para “virgem” é betulah. Portanto, resulta evidente que a sua pergunta é irônica e uma resposta direta prevê: Em hebraico, almah significa “jovem” e betulah significa “virgem”. Você replicaria – e aqui está a sua ironia: se é assim, por que os católicos usam Isaías para dizer que Maria é virgem, quando o profeta fala simplesmente de uma jovem?

Nessa sua conjuntura estão faltando elementos básicos tanto de exegese quanto de teologia em geral.

Do ponto de vista exegético, não são os católicos que usam Isaías para dizer que Maria é virgem, mas é o evangelista Mateus que o faz, que interpreta Isaías 7 como o anúncio da concepção virginal de Cristo. De fato, lemos em Mt 1,23:

Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho e o chamarão com o nome de Emanuel.

No caso de Mateus, o original é em grego e o termo que está por trás da palavra portuguesa “virgem” é parthenos. Nesse caso, não há dúvidas em relação ao sentido, como se deduz também das outras 15 citações presentes do Novo Testamento.

Dessa pequena síntese resulta evidente que a tradição de Maria virgem é algo já presente nos evangelhos. A decisão dogmática, que foi estabelecido em 553, no Concílio de Constantinopla, segundo o qual Maria permaneceu virgem antes, durante e depois do nascimento de Jesus é feita com base nessa leitura do Evangelho e não naquela da profecia de Isaías.

Portanto, a pergunta que precisamos fazer é por que o evangelista interpretou a profecia de Isaías e a aplicou à Maria, ao nascimento de Jesus.

 

Mateus e Isaías

Para os profetas, o importante era o seu tempo presente. Se falavam do futuro, falavam em termos gerais: o que aconteceria se agissem de uma forma ou de outra? É verdade que às vezes eles falavam da vinda de alguém enviado por Deus para libertar o povo, mas não há nenhum texto que fale em detalhes de tudo o que aconteceria na vida de Jesus de Nazaré.

O que Mateus faz é o mesmo que seus contemporâneos rabínicos faziam: todo evento importante é querido por Deus e, para esses eventos é preciso encontrar alguma referência nas Escrituras. Isaías não parece dizer nada sobre a concepção virginal de alguém, nem sobre o Espírito Santo, mas fala de uma jovem mulher, ainda virgem, que terá um filho; a expressão em seu contexto enfatiza que ele será o primogênito.

Mateus usa Is 7,14 para dois propósitos: para explicar à comunidade que Jesus é o filho de Davi (em Is 7,13 ele se dirige ao rei como um homem da casa de Davi) e o filho de Deus (em Is 7,14 ele diz que a criança será chamada de Emmanuel, "Deus conosco"). Filho de Davi porque José, embora não seja o pai biológico, o reconhece como filho e lhe dá um nome, tornando-se assim o pai legal. Filho de Deus porque ele é o fruto do Espírito Santo e não há intervenção humana.

Esta profecia, que é declarada cumprida, cria, de fato, uma expectativa no leitor. Parece que Mateus introduz desde o início uma sutil interação entre profecia e cumprimento.