O nosso leitor formula a sua pergunta da seguinte maneira:

Creio que em 1Coríntios tem um versículo em que a ressurreição é questionada. O versículo diz "por que se batizam pelos mortos se absolutamente não acreditam na ressurreição?". Visto esse versículo, haviam batismos por pessoas que já morrem aquela época? Se sim, por que não continuou essa prática nas igrejas?


O texto ao qual você faz referência se encontra em 1Coríntios 15, um capítulo em que Paulo defende a fé na ressurreição. Esse era um tema que provocava discussão até mesmo entre os judeus, visto que os saduceus não acreditavam nela, mas muito mais entre os gregos, cultura que influenciava a vida dos primeiros cristãos que viviam na cidade de Corinto. Paulo sublinha como é fundamental acreditar na ressurreição de Cristo e defender a ressurreição dos mortos a qual estamos todos nós destinados. Para argumentar essa sua convicção, no versículo 29 diz:

Doutra maneira, que farão os que se batizam pelos mortos, se absolutamente os mortos não ressuscitam? Por que se batizam eles então pelos mortos? (Tradução da Bíblia Almeida)

É uma passagem difícil de entender e suscitou muita discussão entre os tradutores, críticos textuais e teólogos. A tendência mais comum é ver nessa passagem uma menção a uma prática que existia naquele lugar, isto é, pessoas eram batizadas de maneira vigária, ou seja, recebiam o batismo em favor de algum parente ou amigo que morrera sem ter sido batizado e assim ela era considerada batizada mesmo já morta.

Essa hipótese tem boas chances de ser verdadeira, pois há uma menção a situação parecida na discussão de Tertuliano contra o herege Marcião, cujo seguidores pareciam praticar esse ritual. É provável que esse costume tenha origens em tradições pagãs, visto que é sabido que na festa da Calendas de Fevereiro os adoradores de deuses pagãos se submetiam a purificações em favor de pessoas mortas.

Pode ser que essa prática existia na cidade de Corinto, cerca de 20 anos depois da morte de Cristo, e também no tempo de Marcião, no começo do segundo século, mas é algo que nunca se afirmou como costume na Igreja e não há registros da sua realização de maneira institucional.

Retornando à carta de Paulo, é preciso notar que Paulo menciona esse evento como um argumento inteligente contra a falta de fé na ressurreição. Portanto, o foco da mensagem é a ressurreição e em nenhum momento Paulo pretende passar alguma mensagem sobre o batismo. Ele, como aparece em outras ocasiões, é irônico e, em síntese, diz assim aos habitantes de Corinto:

“Não acreditam na ressurreição? Então por que fazem ações em prol de pessoa que já morreram? Que sentido teria isso se pra quem morreu terminou tudo? Para que vocês perdem tempo fazendo coisas para os mortos, se não acreditam na ressurreição?”

 

Uma curiosidade na Bíblia de Jerusalém

Normalmente uso a Bíblia de Jerusalém para a minha leitura. Nessa passagem, a sua tradução é esta:

Se não fosse assim, que proveito teriam “os que se esgotam pelos mortos”? Se os mortos realmente não ressuscitam, por que se esgotam por eles?

É interessante a escolha do verbo “se esgotar” pra traduzir o texto grego, que traz “baptizomenoi”, que é um particípio presente passivo do verbo “baptizó”, que significa “batizar” e que portanto pode muito bem ser traduzido como “se fazem batizar”. A frase completa em grego é “hoi baptizomenoi hyper ton nekron”, que está bem traduzir como “os que se fazem batizar em favor dos mortos”.