Tentemos imaginar o cenário do encontro: Jesus entra na cidade de Jericó, situada em uma área desértica que fica em um oásis, que se encontra na grande depressão, 400 metros abaixo do mar, onde o Mar Morto também está localizado.

Não se diz por que Jesus foi para Jericó. Não importa. O interessante é que ele a estava "atravessando", no caminho para Jerusalém, lugar de sua paixão, morte e ressurreição, onde manifestaria quem é realmente. Esta "travessia" é expressa com um verbo que também significa "espalhar". Jesus entra em Jericó, atravessa-a como já o tinha feito a sua fama, ou melhor, literalmente "o logos sobre ele", a palavra que lhe dizia respeito (em Lucas 5,15 está escrito que a palavra sobre ele "se espalhou" e muitos se reuniram para ouvi-lo e serem curados).

 

Zaqueu no meio da multidão

Como já havia feito quando estava na Galileia, também em Jericó sua fama atraiu tantas pessoas ao seu redor. São pessoas que ouvem e pedem cura.

Um homem nesta cidade, como muitos que encontra Jesus quando "passa" pela cidade, é digno de menção. É Zaqueu. Zaqueu é "chefe dos publicanos", o chefe de todos aqueles que cobravam impostos em nome do “invasor”, o Império Romano. Os publicanos são famosos por se enriquecerem sobre os ombros dos contribuintes: além da parcela devida ao Império, eles cobram para si mesmos uma soma considerável, sua própria "recompensa" por um trabalho odiado por todos. Seu líder deve ter sido muito mais rico, o que é a mesma coisa que dizer "muito mais ladrão".

Este homem tentou ver "quem é" Jesus no meio da multidão que o rodeia.

 

Uma comparação com Herodes

Algum tempo antes (Lucas 9), também Herodes fora movido pela curiosidade de "ver" quem era aquele que operava as curas e de quem se dizia que fosse João Batista ressuscitado ("João, eu o mandei decapitar; quem é, portanto, este homem, de quem ouço dizer tais coisas?". E ele procurava vê-lo – Lucas 9,9). O mesmo Herodes, que no final do Evangelho de Lucas, por ocasião da Paixão de Jesus, interroga Jesus e fica muito feliz porque "desejava vê-lo por ter ouvido falar dele e esperava vê-lo realizar algum milagre" (Lucas 23, 8). Ele esperava vê-lo, mas a única vez que o viu foi quando foi trazido à sua presença, acorrentado. Herodes não fez nada para encontrar Jesus, não se mexeu, ficou trancado no seu palácio. Ele viu Jesus quando o trouxeram até ele.

Parece que Zaqueu não seja muito diferente de Herodes, em relação à pessoa de Jesus, exceto por alguns detalhes. O primeiro: ao contrário de Herodes, Zaqueu se move, Zaqueu é aquele que procura. Segundo: enquanto Herodes quer saber "quem é ‘o homem’ de quem tanto ouve falar", Zaqueu quer ver "quem é" Jesus, no meio da multidão que o rodeia. Zaqueu sabe o nome dele, sabe quem procurar, mas não sabe onde encontrá-lo. Ao invés, para Herodes, Jesus é "um fulano", uma curiosidade, quase um objeto.

 

Zaqueu, o baixinho

A baixa estatura impede Zaqueu de identificar Jesus, de "ver". Percebemos toda a "baixeza" de Zaqueu também no fato de ter vindo de alguma forma submerso, colocado de lado, pisoteado, empurrado para fora pela multidão. Percebemos também a sua “feiura”, toda a maldade intrínseca nele vista por aqueles que o observam. Um odiado “baixinho”, ladrão e explorador.

Zaqueu cogitou uma pequena estratégia: imaginou qual seria o trajeto de Jesus e projetou subir em uma árvore. O seu desejo de ver a Cristo era tão grande que ele não cedeu, que não se deixou intimidar pela multidão que o rejeitava. A força de Zaqueu é a determinação e a tenacidade.

Quando Jesus levanta os olhos, parece que o faz como quem simplesmente olha à sua volta. No final, vemos que não é assim. Jesus "já procurava" Zaqueu, porque a resposta para "quem é Jesus" está nessa sentença ao final da passagem: Ele é o Filho do homem que veio buscar e salvar o que estava perdido (Lucas 19,10).

 

Zaqueu e Jesus

A alegria de Zaqueu é aquela dos que se sentem reconhecidos, vistos, considerados. Este Jesus, olhando para cima, inclina-se sobre ele. Ele o alcança em sua pequena estatura, em sua “feiura”, até mesmo em sua malvadeza.

E enquanto todos murmuram que ele é um pecador, Zaqueu dá a sua resposta ao olhar de Jesus, que “se abaixa e se levanta” sobre ele: o pecador “se levanta”. O texto diz: "Tendo se levantado, disse Zaqueu ao Senhor...". Zaqueu se ‘levanta’, como Jesus tinha ‘levantado’ o olhar e o tinha visto sobre a árvore. A resposta a este olhar de Jesus que procura, é o colocar-se em pé deste homem. Mesmo sendo pequeno de tamanho, ele se torna grande, seu tamanho agora aumenta, como aquele de um orador, no meio da praça, uma testemunha que fala para ser ouvido por todos, e converter, retribuir e, mais ainda, dar metade de seus bens aos pobres; Zaqueu recupera seu lugar, sua dignidade.

 

Dignidade que se torna sinal

Como uma pequena lâmpada, que se coloca em lugar de destaque para iluminar toda a casa, Zaqueu muda a orientação de sua vida em benefício de toda a sua "casa": ele não se salva sozinho. Para si mesmo e para o mundo em volta de si, Zaqueu recupera a sua dignidade: já não é pequeno, pérfido, feio e cruel, opressor e ladrão, mas principalmente "ele também é filho de Abraão". Um filho de Abraão perdido e escondido, a quem o Filho do Homem foi enviado em auxílio pelo Pai, "imediatamente", "agora" ("hoje devo ficar em tua casa"). Esse “hoje", isto é, a necessidade de aproveitar a oportunidade que se apresenta, não diz respeito apenas à resposta de Zaqueu, mas à obediência de Jesus à missão do Pai, a de "atravessar" nossos lugares para deixar-se "ver" e fazer com que se abram as portas das casas, para "procurar" aqueles que se perderam até encontrá-los, devolvendo-lhes a dignidade e a "altura" dos filhos e filhas.