Hoje, 9 de outubro de 2019 é “dia santo” em Israel: yom kippur. Literalmente significa “dia da expiação”, uma das festas mais importantes para o judeu, quando ele reconhece a própria debilidade e pede a Deus perdão, na esperança que seja inscrito no “livro da vida”, por mais um ano. De fato, esse dia conclui o ciclo começado há 10 dias com o Ano Novo (Rosh hashana). Se quiséssemos fazer uma comparação, poderia ser parecido com a nossa “quarta-feira de cinzas”. É um dia de jejum e recolhimento. A “festa”, como sempre na tradição judaica, começa com o por do sol do dia anterior e termina no final da tarde desse dia.
A Bíblia menciona essa celebração em 4 passagens: Êxodo 30,10; Levítico 23,27-31 e 25,9; Números 29,7-11. Sem querer conhecemos essa festa, pois quantas vezes nos vemos dizendo "bode expiatório"? Pois esse elemento era típico do tempo bíblico, quando nessa festa, a única em que o Sumo Sacerdote entrava no Santo dos Santos, era lançada a sorte sobre dois bodes: um era destinado ao Senhor (sacrifício) e um destinado a "Azazel" (não sabemos o significado desse nome), que era mandado para o deserto, levando consigo os pecados do povo judeu.
É um dia característico principalmente para um estrangeiro, como somos nós nesse momento nessa Terra Santa. Quando um judeu faz uma festa, ele deixa a situação usual e experimenta, também fisicamente, outra realidade. Isso é experimentado, por exemplo, já em todo dia de Sábado, quando, por exemplo, os meios públicos de transporte não funcionam e as lojas estão todas fechadas. O aeroporto fica fechado e tudo ganha outro ritmo. É verdade que no Sábado, apenas em bairros característicos, aonde vivem os judeus ortodoxos, não se veem carros (Me'a She'arim - Jerusalém). Por outro lado, no dia de hoje as ruas estão todas desertas; não há carros e aqui em Tiberíades, passeando na beira do lago, encontramos só poucos turistas, estrangeiros como nós, e poucas pessoas em bicicleta. É uma experiência surreal! As pessoas ficam recolhidas, pensando o seu próprio agir, naquilo que fizeram durante o ano. Na verdade, não sabemos como cada um vive – pois nem todos são religiosos praticantes no país (além dos muçulmanos e cristãos que aqui vivem) - mas a aparência externa supõe um qualquer nível de introspecção e vivência do clima religioso. Até mesmo a maioria dos lugares santos está fechada.
É claro que uma experiência dessas faz pensar no nosso próprio estilo de vida, onde não existe “tempo morto”; somos sempre superativos e tudo precisa estar aberto, funcionando 24 horas por dia. O fazer imprime o ritmo da nossa vida, provavelmente em detrimento do ser.
Como peregrinos, participamos desse clima. Ficamos em Tiberíades, “presos”, pois não dá para usar o carro. Tentamos ir visitar a Igreja de São Pedro, a única aqui nessa cidade, mas está fechada. O jeito foi nós também entrar nesse clima, fazer um passeio pela margem do lago da Galileia, contemplá-lo graças à maravilhosa vista que temos no local onde nos hospedamos. Para o almoço, fizemos um piquenique no jardim do hotel, com as coisas que compramos já ontem de manhã (supermercado e restaurantes tudo fechado desde ontem de tarde).
Lago de Tiberíades
No imaginário de cada cristão está bem imprimida a realidade que vemos hoje diante de nós, esse lago de água doce, que ganha em espetacularidade por se encontrar em um ambiente muito árido. Às vezes o conhecemos como “Mar da Galileia” e pensamos frequentemente em suas “praias”, aonde jesus deixou suas pegadas. Concretamente, todo esse romantismo não é vareteiro, pois praias como a nossa não existem aqui, mas apenas as tradicionais “margens” dos lagos de água doce. Ou seja, não estamos falando de um mar, mas de um lago, embora seja bastante grande: 19 quilômetros de comprimento e máximo de 13 km de largura. Em Israel, hoje, se conhece como Yam Kinneret, que poderíamos traduzir como Mar de Genesaré, tendo essa última palavra provável origem na forma do lago, que parece uma arpa (kinneret em hebraico).
Há três elementos particulares desse lago. O primeiro de todos é que ele foi palco de muitas atividades de jesus: foi às margens desse lago que ele chamou os apóstolos e fez muitos milagres, transmitindo a sua mensagem. Por isso, para todo cristão é um lugar denso, que revela o mistério da encarnação de Deus; estar aqui é uma oportunidade única para entender, de maneira empírica, a presença de Deus entre os homens e mulheres.
Outra característica desse lago é a presença do Rio Jordão, outro personagem comum na concepção cristã. Esse Rio nasce nas alturas do Hermão, em Israel, na fronteira con Síria e Líbano. Ele faz um percurso de cerca de 100 quilômetros e entra no Lago da Galileia, na parte norte, perto de Betsaida. No sul desse lago, ele continua o seu percurso, despejando suas águas no Mar Morto, que fica a cerca de 120 quilômetros ao sul. A água do lago vem do Jordão e outros pequenos afluentes. Há também fontes na zona do Lago, especialmente na área de Tabga, mas suas águas têm bastante sal e para evitar que transformem a água do lago impotável, são desviadas. Flávio Josepo, em Guerra Judaica, dizia que a água do lago era doce, mas não era propícia para tomar. Ao invés, hoje é água potável.
A terceira particularidade desse lago tem a ver com as características geológicas do local em que se encontra: uma grande fossa tetônica, isto é, um “buraco”. Fica a 213 metros abaixo do nível do mar. Ou seja, se o mar conseguisse entrar nesse “buraco”, estaríamos a 213 metros de profundidade. Essa fossa continua para o sul e atinge seu auge no Mar Morto, onde se alcança a cifra de 427 metros abaixo do nível do mar.
Tiberíades
Outro nome comum para o Lago da Galileia é “Lago de Tiberíades”. Chama-se assim por causa da cidade que tem esse nome. Hoje conta com aproximadamente 40 mil habitantes e é a maior cidade junto ao Lago. Foi fundada no tempo de Jesus (ano 20 depois de Cristo) por Herodes Antipas, filho de Herodes o Grande, que deu esse nome à cidade em homenagem ao então imperador romano Tibério. Se transformou na sede do governo do tetrarca da Galileia e Pereia (Herodes Antipas).
Não é mencionada no Novo Testamento e provavelmente era menosprezada pelos judeus por causa da sua cultura helenizada.
Na revolta dos judeus (prieira guerra judaico-romana), a cidade foi conquistada, sob o comando de Flávio Josepo, pelos judeus. Foi depois reconquistada pelos romanos e não foi destruída.
Por volta do ano 150, os judeus, tendo escapado de Roma em ocasião da terceira guerra judaico-romana, decidiram instalar nessa cidade o Sinédrio. Assim o local se tornou a sede erudita do judaísmo tendo sido provavelmente escrita aqui a Mishna, além do Talmud dito “de Jerusalém”. E até hoje é considerado uma cidade sagrada para os judeus (além de Jerusalém, Safed e Hebron).
Outras cidades bíblicas importantes, às margens do lago, são Magdala, Cafarnaum, Tabga, Betsaida, Genesaré. No lado oposto, “outro lado” do lago, ficam as alturas do Golã, que até a guerra dos seis dias (junho de 1987) pertencia à Síria.