A Bíblia não diz em nenhuma passagem que Maria teve outros filhos além de Jesus. Todavia há passagens aonde aparece a expressão "irmãos de Jesus", identificados com Judas, Tiago, José e Simão (Mateus 13,55-56). E são esses textos que levantam a questão de eventuais outros filhos de Maria.

Os textos aonde aparece a expressão "irmãos de Jesus" são:

  • Mateus 12,46: Falava ainda Jesus à multidão quando sua mãe e seus irmãos chegaram do lado de fora, querendo falar com ele.
  • Mateus 13,55-56: Não é este o filho do carpinteiro? O nome de sua mãe não é Maria, e não são seus irmãos Tiago, José, Simão e Judas? Não estão conosco todas as suas irmãs? De onde, pois, ele obteve todas essas coisas?"
  • Marcos 3,31-35: Então chegaram a mãe e os irmãos de Jesus. Ficando do lado de fora, mandaram alguém chamá-lo. Havia muita gente assentada ao seu redor; e lhe disseram: "Tua mãe e teus irmãos estão lá fora e te procuram".
  • Lucas 8,19: A mãe e os irmãos de Jesus foram vê-lo, mas não conseguiam aproximar-se dele, por causa da multidão.
  • João 7,3-5: os irmãos de Jesus lhe disseram: "Você deve sair daqui e ir para a Judeia, para que os seus discípulos possam ver as obras que você faz. Ninguém que deseja ser reconhecido publicamente age em segredo. Visto que você está fazendo estas coisas, mostre-se ao mundo". Pois nem os seus irmãos criam nele.
  • João 20,17: Jesus disse: "Não me segure, pois ainda não voltei para o Pai. Vá, porém, a meus irmãos e diga-lhes: Estou voltando para meu Pai e Pai de vocês, para meu Deus e Deus de vocês".
  • Atos dos Apóstolos 1,14: Todos eles se reuniam sempre em oração, com as mulheres, inclusive Maria, a mãe de Jesus, e com os irmãos dele.
  • Gálatas 1,19: Não vi nenhum dos outros apóstolos, a não ser Tiago, irmão do Senhor.

 

Quem são os “irmãos de Jesus”?

Existem três posições que tentam dar uma resposta. Os protestantes dizem que são filhos de Maria, que ela teve depois do nascimento de Cristo. Os católicos dizem que são parentes, talvez primos, mas não irmãos de primeiro grau. Uma terceira posição é aquela dos ortodoxos, que baseiam a própria conclusão no Evangelho Apócrifo de Tiago. Nessa obra, escrita muitos anos depois de Cristo, é narrado que quando os sacerdotes do Templo decidiram escolher um marido para Maria, que servia o Senhor naquele logal e chagara à idade do matrimônio, escolheram José, que era um viúvo. Os filhos que tivera no casamento anterior se tornaram os “irmãos de Jesus”. Mas, para poder julgar de maneira mais científica a questão, precisaríamos considerar dois elementos.

 

1. José não conheceu a Maria até o dia em que ela deu à luz um filho

Essa frase se encontra em Mateus 1,25. Os protestantes partem dessa afirmação para defender que aquilo que a Bíblia diz é que o primeiro filho de Maria foi Jesus, tido em condição extraordinária e que depois do nascimento de Cristo José “conheceu” Maria, teve relações sexuais com ela, e nasceram outros filhos. O cerne da questão é a expressão “até o dia”. Dizer isso significa que depois desse “dia”, a situação mudou? Quando se diz: “a Companhia aérea XXX, até hoje, não sofreu nenhum acidente” significa que estou dizendo que depois de hoje sofreu? Não estaria simplesmente querendo sublinhar o fato extraordinário da segurança que essa companhia dá aos seus passageiros?

Enquanto um grupo de cristão diz que a expressão “até o dia” diz que depois daquele dia a vida de Maria mudou, outro grupo afirma que Mateus simplesmente está sublinhando o elemento extraordinário da situação e não quer dizer nada além disso.

 

2. A expressão grega para “irmãos” e o semitismo ou o hebraico traduzido para o grego

Outro aspecto a ser considerado nessa questão é, como não poderia deixar de ser, o vocábulo grego “adelphos”, usado nas passagens mencionadas acima. Em grego não há nenhuma dúvida que signifique “irmão”, como no português, isto é “nascidos do mesmo útero”. Todavia existe uma característica do grego do Novo Testamento que é muito típica: o semitismo. Concretamente falando, os autores dos escritos do Novo Testamento não falavam grego como primeira língua e sofriam a influência linguística das línguas semíticas que conheciam, o hebraico e o aramaico. Por isso, mesmo falando em grego, pensavam de maneira semítica, conforme suas línguas. Em síntese, os autores do Novo Testamento, muitas vezes aplicavam a uma palavra grega, com um sentido definido e limitado, o sentido amplo presente na palavra hebraica. Vamos ver como isso funciona com a palavra “irmão”.

Irmão em hebraico é AH. Em hebraico essa palavra não significa somente pessoas nascidas do mesmo útero, mas é usada também para “primos” e pessoas ligadas com outros graus de parentesco. Um exemplo típico é 1Crônicas 23,21-22:

Filhos de Mooli: Eleazar e Cis. Eleazar morreu sem ter filhos, mas somente filhas, que se casaram com os filhos de Cis, seus AH (irmãos).

O grau de parentesto cntre os filhos de Eleazar e os filhos de Cis era de primos, mas o texto diz “irmãos”.

O curioso é observar a tradução antiga da Bíblia Hebraica para o grego a LXX. Nessa tradução, na hora de traduzir a passagem mencionada acima, o termo grego usado é “adelphos”. Isso acontece também em vários outros textos: Gn 13,8; Gn 31,22-23; Ex 2,11; Jz 9, 1-3; I Cr 15,1-5; I Cr 23,21-22; II Cr 36,10. Portanto, é evidente que na LXX se usava "adelphos" com sentido amplo e não só de "irmãos".

Portanto, embora existam no grego palavras para “primos” (anepsiós) ou parentes (sungenees), os judeus quando falavam ou escreviam em grego preferiam usar "irmão" para se referir a graus de parentela mais amplo. Isso é devito tanto ao fato que tinham como referência a tradução grega da Bíblia Hebraica, a LXX, e nessa tradução o vocábulo “adelphos” engloba toda a parentela e também porque tinham o hebraico como língua original e não se importavam muito com a exatidão dos termos da língua grega.

Um exemplo concreto dessa prática entre os autores do Novo Testamento se encontra em Paulo, quando na primeira carta aos habitantes de Corinto chama de “Irmãos” a quinhentas pessoas (1Coríntios 15,6): “Em seguida, apareceu a mais de quinhentos irmãos (adelphoi) de uma vez””. Obviamente Paulo não entendia dizer que essas 500 pessoas tinham nascido do mesmo útero, mas considerava o sentido mais amplo do vocábulo adelphos.