O exemplo citado pelo nosso leitor Jorge é o seguinte:

Os evangelhos sinóticos afirmam que Jesus, logo após o seu batismo,foi conduzido pelo Espírito Santo ao deserto e ali, permaneceu quarenta dias. O texto do evangelho de João 1,35-51 afirma que Jesus foi visto por João Batista no dia seguinte ao seu batismo recrutando discípulos.

É assim mesmo! "No dia seguinte", segundo João, Jesus encontra os dois discípulos de João, um dos quais era André, que perguntam a ele "onde moras?" E a resposta de Cristo foi: "vinde e vede". E para uma mente lógica e atenta, essa narração provoca algumas dúvidas que são justas, mas podem facilmente serem explicadas.

Cada um dos 4 evangelhos tem suas particularidades, embora os três primeiros possuem muitas coisas em comum, e por essa razão são ditos "sinóticos" e o quarto é bastante diferente. Há um princípio do qual não podemos nos afastar: os evangelhos contam a verdade histórica sobre Cristo, mas a narração biográfica de Cristo nunca foi a intenção do autor sagrado. Cristo ensinou oralmente e essa instrução primitiva só mais tarde, ao menos 50 anos depois, foi colocada por escrito. Muitos tentavam ordenar a narração dos fatos, como diz Lucas em 1,1, mas cada um com um método correspondente ao seu objetivo. Conforme o próprio objetivo, cada autor escolheu algumas informações, deixando de lado outras. Escolheram os ensinamentos que eram adaptos aos fieis a quem se dirigiam e à intenção que tinham, contando aquilo que era pertinente à sua finalidade.

Quando os evangelistas contavam certos eventos ou ensinamentos, mudando o contexto presente em outro evangelho, como no caso do batismo citado acima, é necessário imaginar que faziam isso para a utilidade dos leitores. A tarefa do leitor esperto, do exegeta, é de descobrir qual é a intenção do evangelista em expor um fato em um certo modo ou em um certo contexto. De qualquer forma, é importante sublinhar que não é contrário à verdade o fato que os evangelistas trasmitam ditos e fatos do Senhor em ordem diferente ou também que trazem frases não literalmente, mas com algumas diferenças, conservando o sentido.

A propósito, podemos recordar o que diz Agostinho: 

 "É provável que todo evangelista acreditasse que tinha o dever de narrar com aquela ordem que Deus sugeriu à sua memória aquelas coisas que ele narrou: isso se aplica àquelas coisas em que a ordem, seja ela qual for, não tira nenhuma autoridade e verdade evangélica" (Agostinho, De consensu Evang., 2, 21).

Portanto, encontramos várias diferenças comparando os 4 evangelhos, principalmente entre João e os outros três, ditos "sinóticos". Essas diferenças não são contradições, mas causadas pela ordem que cada autor quis dar à própria narração, seguindo o seu objetivo e a sua memória daquilo que recebeu da pregação de Cristo.