Podemos definir a doutrina da Trindade do seguinte modo: Deus existe eternamente como três pessoas – Pai, Filho e Espírito Santo – e cada pessoa é plenamente Deus, e existe só um Deus.

Tem uma pequena história que se conta de Agostinho, Bispo de Hipona que viveu no quarto século, que pode ajudar a tratar o tema da Trindade. Narra-se que uma vez, enquanto meditava sobre esse mistério, estava caminhando por uma praia e encontrou uma criança.

Ele perguntou para ela: - 'o que está fazendo?'
A criança, que enchia um balde e derramava a água em um buraco na areia, lhe respondeu: - 'Estou colocando toda a água do mar nesse buraco'.
Agostinho, então explicou para ela: - 'É impossível colocar toda a água do mar nesse buraco'.
A criança rebateu: 'é mais fácil colocar toda a água do mar aqui nesse buraco do que entender o mistério trinitário'.

 

Questão histórica

Nos primeiros séculos do cristianismo, houve muita discussão sobre Deus, o Espírito Santo e Jesus. O leque de doutrinas heréticas apresentava as variedades mais diversas, algumas partindo diretamente do mistério trinitário e outras considerando a pessoa de Cristo em sua relação com o mesmo mistério. As últimas décadas do segundo século testemunharam o surgimento de duas formas de ensino que, embora fundamentalmente distintas, foram reunidas pelos historiadores modernos sob o nome comum de monarquianismo. Para uma facção dos monarquianistas, Cristo era um simples homem sobre quem o Espírito de Deus havia descido, e representava apenas o dinamismo de Deus (monarquianismo dinâmico). O monarquianismo modalista assegurava a divindade de Cristo, mas somente como um rosto diferente de Deus. Os patripassistas não viam diferença entre o Pai e o Filho e receberam essa denominação pela doutrina que defendiam, ou seja, atribuíam ao Pai os sofrimentos de Cristo. O sabelianismo se insurgiu contra a fé em três pessoas, as quais seriam apenas denominações diferentes para uma essência divina; o Pai era, por assim dizer, a forma ou essência, sendo o Filho e o Espírito os modos de autoexpressão do Pai. O arianismo excluía o Filho da esfera da divindade e o considerava apenas como filho adotivo de Deus. O resultado final desse ensino foi reduzir o Filho a um semideus; se Ele transcendia infinitamente todas as outras criaturas, Ele próprio não era mais do que uma criatura em relação ao Pai.

 

Decisões da Igreja

Essa disputa exigiu da igreja de então uma posição e isso aconteceu através do Concílio de Nicéia, em 325. No final, foi apresentado o símbolo da fé, onde a profissão de fé no mistério da Trindade confessa a existência de um só Deus em três pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. Devido a uma doutrina errônea sobre o Espírito Santo, o segundo concílio foi realizado em Constantinopla em 381 e esclareceu o pensamento que assim como Jesus era uma pessoa plenamente divina, o Espírito Santo também o era. A palavra latina filioque ‘e do filho’, foi um acréscimo posterior, aparentemente pequeno, mas altamente controvertido, ao Credo Niceno-Constantinopolitano. No ano de 589, o terceiro Concílio de Toledo inseriu esta palavra.

 

Discussões teológicas

Não é possível falar desse tema sem acenar à obra de Agostinho, De Trinitate, escrita entre o século IV e V. Essa obra se compõe de 15 livros e se divide em duas partes: a primeira, de cunho Bíblico, é a seção teológica propriamente dita e vai do livro I ao VII, incluso. A segunda parte, do livro VIII ao XV apresenta um caráter especulativo, constituindo a obra-prima filosófica de Agostinho. O caminho percorrido na primeira parte é sempre o mesmo: Agostinho estabelece sua tese, depois refuta os hereges, apoiando-se na autoridade das Escrituras. Na segunda parte o método passa a ser puramente filosófico. Agostinho propõe a justificação e os fundamentos lógicos e metafísicos, adotando como ponto de partida a observação psicológica da mente humana. Utiliza o movimento dialético. Desde o final do livro VIII, o autor procura no homem analogias destinadas a dar certa compreensão do mistério trinitário. A partir do livro IX procura na estrutura da alma imagens e vestígios da Trindade. O desenvolvimento teológico da doutrina é retomado no livro XV.

 

A guisa de reflexão

Cada vez é mais difícil aceitar o mistério. A sociedade atual quer respostas e o mistério incomoda. E a lógica do mistério é colocar perguntas, que nem sempre podem ser respondidas. Nós cristãos não precisamos aceitar a falta de respostas sob a justificativa que estamos diante de um mistério, como é o da Trinidade. A fé procura entender e é muito normal encontrar pelos caminhos de nossas vidas perguntas sobre a fé. E é igualmente óbvia a tentativa de respondê-las. Muito menos automâtica é a eficácia das respostas, pois o mistério nunca se revela completamente, mas se desvela, se entende aos poucos.

Explicar a Trinidade como três pessoas de uma mesma natureza é uma tentativa humana de entender o mistério divino. É uma explicação limitada pela barreira da linguagem e do entendimento humano. Mas não pode ser rejeitada.

A questão da linguagem é apresentada já na obra de Agostinho, quando responde à pergunta: "quem são os três". Ele diz que os três são uma essência e três substâncias, para os gregos; e uma essência e três pessoas, para os latinos. Embora dê preferência ao modo de se expressar dos latinos como ele, conclui que se trata de recursos da linguagem humana a qual é inadequada para demonstrar o que não foi revelado.