Esse texto faz parte do conjunto de dizeres de Jesus sobre os parentes. No contexto, percebemos que alguém que queria seguir a Cristo pede a ele que primeiro possa "sepultar" o pai, isto é, esperar que ele morra, para depois seguir a Jesus (Mateus 8,21-22). A esse pedido Jesus responde: "Deixa qeu os mortos enterrem seus mortos".

Essa presunta dureza de Jesus nos deixa um pouco perplexo. Um famoso escritor judeu americano, Jacob Neusner, no seu livro A Rabbi Talks with Jesus imagina de ser um dos que escutava, naquele tempo as pregações de Jesus. Tem grande admiração pelo rabi de Nazaré, mas apesar disso não teria podido tornar-se um seu discípulo. E um dos motivos é exatamente a posição de Jesus diante dos parentes. Diz Neusner que em várias ocasiões Jesus Cristo parece convidar a transgredir o IV mandamento, que comanda de honrar pai e mãe. Junto com essa passagem de Mateus 8 coloca também a outra citação em que Jesus diz que quem ama mais o próprio pai e a mãe mais do que a ele, não é digno dele (Mateus 10,37).

É normal contestar essa posição desse escritor dizendo que, na verdade, Jesus sublinha, com força, a importância da família quando, por exemplo, defende o víncolo do matrimônio, o dever de assistência aos próprios pais.

Um texto iluminante, para tentarmos entender bem a relação de Cristo com os parentes é aquele que encontramos em Mateus 12, quando Jesus estava falando às multidões e chegam "sua mãe e seus irmãos" e procuram falar com ele. Jesus, avisado da presença deles, diz: "quem é minha mãe e quem são meus irmãos?" E apontando para os discípulos com a mão disse: "Aqui estão minha mãe e meus irmãos, porque aquele que fazer a vontade de meu Pai que está nos Céus, esse é meu irmão, irmã e mãe (Mateus 12,48-50).

Esse texto ajuda a entender que Jesus não acaba com a família, mas alarga esse conceito: Deus é Pai e nós somos irmãos e irmãs, graças à fé nEle.

Neusner, o escritor citado acima, diz que esse conceito já existia no judaísmo, pois um filho podia sair de casa somente no caso em que quisesse estudar a Lei, a Torah. Portando, defende ele: a família espiritual já existia e era o povo de Israel, unido em volta da Torah. Mas é aqui que existe uma grande diferenza entre o cristianismo e o judaísmo: Jesus não diz "quem ama o pai e a mãe mais do que a Lei...", mas diz "quem ama o pai e a mãe mais do que Eu". Jesus põe a si mesmo no lugar da Torah e isto pode fazer somente alguém que é maior que a própria Torah, ou seja, Deus.

Por isso é verdade, como diz o próprio escritor, que somente Deus pode pedir, em relação à família, aquilo que pede Jesus. O problema é que para Neusner, um judeu, Jesus não é Deus. Nesse sentido, é impossível aceitar o ensinamento de Cristo se não se aceita a sua pessoa, o fato que ele seja Deus.