Não é pecado, não, Carlos! Contudo a sua pergunta tem fundamento.

No mundo judaico, no qual, como cristãos,  colocamos nossas raízes, o tema da pureza é muito importante. E o porco era considerado um animal impuro. O fundamento bíblico se encontra em Levíticos 11. Sobre o porco fala, nesse capítulo, no versículo 7-8: tereis como impuro o porco porque, apesar de ter o casco fendido, partido em duas unhas, não rumina. Não comereis da carne deles e nem tocareis o seu cadáver, e vós os tereis como impuros.

A questão que você põe foi também muito importante na primeira comunidade cristã. De um lado os judeus-cristãos pretendiam observar os preceitos que haviam aprendido em casa, nas suas famílias que praticavam a religião judaica. E nelas os preceitos descritos em Levíticos eram observados. Do outro lado existia a pressão dos gentios, os que não eram judeus, que vindos do mundo helênico, não queriam observar tais prescrições. O auge desse conflito é descrito em Atos dos Apóstolos 15, no Concílio de Jerusalém. Nessa ocasião o nó da discórdia era a circuncisão, que os de origem hebraica queriam impor aos gentios. Esse concílio deliberou que aos gentios não fosse imposto nenhum peso “além destas coisas necessárias: que vos abstenhais das carnes imoladas aos ídolos, do sangue, das carnes sufocadas, e das uniões ilegítimas” (Atos 15,28-29).

Esse concílio não fala especificamente da carne de porco, mas o tema está implícito na discussão. Podemos, sem dúvida, tomar a conclusão dos apóstolos reunidos em Jerusalém como alicerce em base ao qual julgar a ortodoxia na observância da Lei do Antigo Testamento.

Provavelmente essa carne em particular ganha importância porque também os muçulmanos, como so judeus, não a podem comer. Todavia, junto com a carne de porco, como podemos ler em Levíticos 11, há tantas outros tipos de carnes proíbidas: coelho, peixes sem escama e/ou barbatanas, o avestruz e todos os répteis que rastejam. Se fôssemos autênticos, a mesma preocupação que reservamos à carne de porco deveria ser observada para os outros alimentos.

Além do texto de Atos dos Apóstolos, poderíamos tomar também o texto de Marcos 7,18-19: E ele (Jesus) disse-lhes: “Então, nem vós tendes inteligência? Não entendeis que tudo o que vem de fora, entrando no homem, não pode torná-lo impuro, porque nada disso entra no coração, mas no ventre, e sai para a fossa?” (Assim, ele declarava puros todos os alimentos.). Essa última frase, entre parênteses, é problemática. Literalmente diz “purificando todos os alimentos”. Provavelmente, se você confere, na sua bíblia terá um texto diverso. Essa perícope não fala diretamente das leis alimentares, mas dá uma boa base para refletirmos também sobre essa questão.

As leis alimentares e outras regras de comportamento religiosas tem sua origem na necessidade que a religião tem de passar valores que ajudassem o bem estar dos seus seguidores. É óbvio que elas, com o tempo, adquiriram um valor que ultrapassa esse elemento objetivo. A carne de porco, por exemplo, é uma carne muito delicada e muito difícil de conservar num ambiente hóstil como pode ser o deserto. Para evitar danos à saúde, julgava-se melhor abolir o seu uso, revestindo essa ordem com aspectos religiosos. Lembro que, quando éramos pequenos, em casa, meus pais diziam que certos passarinhos não podiam ser tocados por que tinham ajudado Jesus, quando ele, com a Sagrada Família, fugira para o Egito. É óbvio que tal passarinho não tinha feito isso, pois nem existem na Palestina, mas a moral do ensinamento era correta. E, para dar força a esse ensinamento, meus pais, e seus contemporâneos, usavam a religião. Mais ou menos isso também aconteceu com certos costumes, entre os judeus.

Até hoje temos que ter cuidado com a carne de porco, pois é uma carne pesada, gorda. Todavia não precisamos ligar esse cuidado a uma questão religiosa.