Na famosa passagem de Lucas 10,38-42, Marta se volta para Jesus, exausta das tarefas, e quase o repreende: "Você não se importa...?". Ela usa o mesmo verbo que os discípulos usaram para acordar a Jesus, quando estavam no meio de uma tempestade no lago e Jesus dormia: "Você não se importa que morramos?". É um verbo que, na maioria dos casos, é usado em relação à vida, expressando o devido cuidado com ela, chamando a atenção para o que é realmente importante para a pessoa. Marta, em suma, repreende Jesus por não cuidar dela como se ela estivesse perdendo a sua vida. Recordamos o desgosto de Jonas - que será libertador para ele - indignado diante da árvore seca: "Sim, estou aborrecido até a morte" (Cf. Jonas 4, 9).

Conforme podemos perceber através das palavras de Jesus, Marta é ansiosa com "muitas coisas". Os verbos usados por Jesus são:

perimnano: expressa ser tomado pela ansiedade sobre o que não se tem poder para mudar, a agitação inútil. É o verbo usado para a ansiedade do amanhã, para o medo de perder algo, do que vestir ou do que comer, em oposição à confiança em Deus.

Thoribazo: expressa o estar em tensão para cuidar de alguém ou de algo na melhor das hipóteses (por exemplo, em Paulo, o marido para sua esposa e vice-versa; a virgem para Deus). Não é um verbo negativo em si mesmo, mas seu peso moral depende do objeto com que está relacionado.

O problema de Marta é que sua tensão é dirigida a "muitas coisas", enquanto apenas uma é necessária.

 

Contrasto entre Marta e Maria

A passagem, portanto, sem dúvida, expressa um CONTRASTO entre Marta e Maria:

  • Marta é toda concentrada em "polà" (muitas coisas), enquanto que Maria para "enòs" (uma coisa).
  • Maria escolhe (Jesus usa, nesse caso, o verbo "eklego", que significa escolher, selecionar), é LIVRE, enquanto Marta está sobrecarregada, aprisionada pelas coisas por fazer. E isso não a coloca em posição de "selecionar" o que é realmente necessário para a vida, separando-se de todo o resto. Marta certamente conhece o valor de escutar a Jesus, mas seu problema é que essa escuta, que impõe uma distância do fazer algo materialmente, acaba sendo confundida pelas "muitas coisas" com as quais ela deve lidar porque assim se espera dela, por parte da sociedade em que vive. Ao mesmo tempo, ela não consegue sequer reconhecer o valor da escolha da irmã, que se mede a si mesma.

 

Reação de Jesus

E o que Jesus faz? Em primeiro lugar, não fala para Maria, como Marta gostaria, mas para ela mesma, fala para Marta. Jesus tem o cuidado de não tirar a Maria a parte que por ela foi escolhida, pois não lhe impõe que se levante e o deixe (e assim o poderia fazer, como mestre e como homem). Ao invés disso, ele mostra para Marta que há uma hierarquia entre as "muitas coisas", que nem tudo tem o mesmo valor para a vida, e - sobretudo! - que entre estas coisas podes escolher.

 

Revolução em favor das mulheres

Esta passagem descreve a grande revolução que Jesus promove em favor das mulheres: ele verdadeiramente as liberta, considerando-as sujeitos que podem escolher independentemente e não com base nas expectativas da sociedade, que lhes impõe um papel. Maria compreendeu que o centro da sua vida quotidiana é permanecer sentada "aos pés" de Jesus, coisa que, no seu tempo, apenas os discípulos (homens) de mestres acostumavam fazer, em íntima relação com a sua palavra, com o mestre. Isso a liberta de qualquer determinismo e de qualquer papel pré-embalado. Jesus a transforma como mulher e como pessoa. Diante disso, tudo o resto, sujeito às mudanças impostas pelo tempo e pelos costumes que mudam, passam para segundo plano.

A passagem, portanto, não é um juízo sobre ser contemplativo ou ativo, sobre ser ou fazer, mas sobre saber reconhecer e escolher a relação com Jesus como a realidade fundadora da qual emana todo o próprio ser e, consequentemente, a própria ação, livre de toda ansiedade e constrição.