O purgatório é um tema polêmico, pois nele se concretizam duas correntes do cristianismo: os católicos, que nele acreditam, e os evangélicos, que sustentam que, não existindo menção na Bíblia, não há razão para acreditar nisso. Como julgar esses dois extremos? Que reflexão poderíamos fazer?

Particularmente, de formação católica, não vejo razão para não acreditar no purgatório, sobretudo pelo fato que a Bíblia nos ensina que nada impuro pode estar diante de Deus (Apocalipse 21,22) e que, portanto, todos nós devemos passar por um processo de purificação. Por outro lado, também tenho dificuldades de entender o purgatório como “lugar” dessa purificação. Acredito que o problema esteja exatamente na explicação teológica da purificação como um "lugar" e um "espaço", que sempre foi influenciada pelas nossas categorias de tempo e espaço. As coisas de Deus não têm as nossas categorias. Por exemplo, para Deus existe a eternidade, que não é a soma de anos, mas é simplesmente o presente: para Deus existe o “agora”. E o espaço, como mostra Jesus depois da ressurreição, não é uma categoria que se mantém da forma que conhecemos na esfera divina.

Acredito que todos coincidimos em afirmar que precisamos ser puros para ver Deus face a face. A pureza está dentro de nós como um dom, uma graça conquistada por Cristo na Cruz. Mas, como insistiu Paulo nos seus escritos, dentro de nós existe uma força que nos leva a fazer o que não condiz com o dom que recebemos. E contra essa força precisamos combater sempre: é o pecado que nos tormenta. Do pecado precisamos nos libertar para ver a Deus.

Não sei quando se dá essa purificação, mas precisamos passar por ela, como um processo, como um fogo que purifica:

No dia do julgamento, a obra ficará conhecida, pois o julgamento vai ser através do fogo, e o fogo provará o que vale a obra de cada um. Se a obra construída sobre o alicerce resistir, o operário receberá uma recompensa. Aquele, porém, que tiver sua obra queimada, perderá a recompensa. Entretanto, o operário se salvará, mas como alguém que escapa de incêndio (1Coríntios 3,13-15)

É preciso também relembrar que a doutrina sobre o purgatório não é uma coisa “católica”, mas que coloca suas raízes no processo vivido pela igreja como um todo, antes da divisão de Lutero. Começa até mesmo em ambientes judaicos ( 2Macabeus 12,46) e continua depois, com os cristãos, em dois concílios, muito tempo antes da Reforma: Florença (622) e Trento (623). Portanto, essa reflexão é patrimônio também dos protestantes, evangélicos e pentecostais, pois afinal ninguém pode renunciar à própria história.

Se quiser ter uma visão mais doutrinal sobre o tema, do ponto de vista católico, leia essa outra resposta.