A frase "o Espírito de Deus pairava sobre as águas" aparece logo no início da Bíblia, em Gênesis 1,2, na narração da criação. Sendo esse o primeiro versículo que conta a criação (Gênesis 1,1, na verdade, é um título), a pergunta faz sentido, visto que ainda não havia sido criado nada, tão pouco as águas.

Seguindo a leitura, invés, percebemos que também as trevas não foram criadas. O versículo 3 diz que a luz foi criada e Deus a separou das trevas (versículo 3). Igualmente, para as águas, não se fala da criação delas, mas apenas da criação de um firmamento, que separou as águas "de cima" das águas "de baixo" (versículo 6-7).

Entendendo a criação contada pelo livro de Gênesis

Se lermos literalmente os dois primeiros capítulos da Bíblia, aparecerão muitas perguntas, pois há incongruências que dificilmente são colmadas. É claro que a Bíblia retém que a criação é uma ação divina. Por isso não se pode dizer que estamos falando de um mito, de algo que não aconteceu, atemporal. A Bíblia afirma uma verdade que não podemos rejeitar: houve um início! Todavia a narração desse início contada em Gênesis não é formada por elementos históricos atendíveis, mas se apoia em elementos mitológicos. Isso é tão verdadeiro que, por exemplo, a criação do ser humano é contado duas vezes, em 1,26 e depois em 2,7. São duas visões diferentes da criação do ser humano, distintas entre elas.

Entre os elementos mitológicos, comuns a tantas culturas, estão as águas, o oceano. Ela é o lugar do caos, do desconhecido, das forças do mal. Em Gênesis, Deus tem poder sobre elas, as domina, estabelece o seu lugar.

As trevas e as águas têm um valor negativo, representam um quadro de desordem. É em relação a este caos que a intervenção divina traz novidade, criando tudo através de sua palavra.

O Espírito pairava sobre as águas

A palavra hebraica usada aqui para "espírito" é "huah". A Bíblia de Jerusalém não traduz como "espírito", mas como "sopro" e diz que se poderia traduzir como "grande vento". Talvez não deveríamos ver já nisso ainda a ação do "Espírito Santo", como elemento criador do universo, pois seria como tirar, antecipando, a novidade da criação divina.