É uma pergunta muito interessante e a resposta pode ser complexa. Isso sobretudo pelo fato que nós não temos em mãos a Bíblia original, mas versões que foram transmitidas pela tradição, por manuscritos copiados e recopiados, visto que o livro nasceu somente há cerca de 500 anos e a Bíblia tem quase 3 mil anos de história. Publicar um livro hoje e levá-lo às futuras gerações pode ser considerado uma tarefa fácil, mas antigamente, transmitir um escrito era uma coisa excepcional.

É por isso que jornalistas sensacionalistas, pouco expertos no campo bíblico, muitas vezes aparecem com notícias espetaculares, questionando a integridade da bíblia que chegou até nós. A cópia mais antiga de toda a Bíblia junta (com todos os livros) que temos em mãos é de cerca do ano mil. Se consideramos que o último livro da bíblia, o Apocalipse, tenha sido escrito por volta do ano 90 depois de Cristo, estamos falando de uma lacuna de cerca 900 anos, pensando obviamente na bíblia inteira, com todos os seus livros. Em todo esse tempo, o que teria acontecido? Os textos não podem terem sido mudados?

A descoberta de Qumran foi muito importante para dar uma resposta a essas interrogações. Nas grutas do Mar Morto foram encontrados textos de todos os livros do Antigo Testamento (exceto Ester). Os textos foram escondidos por volta do ano 70 depois de Cristo e ficaram lá, guardados, por quase 2.000 anos. Confrontá-los com nossas bíblias seria um bom método para julgar em que situação se encontram os textos que chegaram até nós. E para a nossa supresa, os textos coincidem: não houve mudança e o processo de transmissão foi muito fiel aos textos originais.

Nascimento do livro e processo da formação da Bíblia

Somos acostumados a ler a bíblia usando lentes típicas na nossa mentalidade moderna. Costumamos considerar a Bíblia como um único livro, como são os livros modernos, típicos de uma sociedade alfabetizada. Mas a Bíblia foi escrita antes que o livro nascesse. Quando os textos da Bíblia nasceram existiam os rótulos: os textos eram escritos e eram enrolados. Assim são os textos encontrados em Qumran. Portanto, um livro não podia ser muito comprido, pois resultaria muito volumoso e difícil de usar. Só no primeiro século depois de Cristo nasceu o Códice, que não é mais um rótulo, todavia um conjunto de páginas escritas em ambos os lados. Essa passagem foi muito importante para a transmissão da Bíblia: o códice podia conter uma série de textos, de rótulos, e então a bíblia pode nascer como um 'livro'. Foi a partir desse momento que os livros começaram a ser colocados em ordem, pois até então cada livro era um rótulo separado, independente. Começou assim a nascer códices que reuniam os livros da Bíblia. Cada igreja, cada região criou o próprio códice, inserindo os livros que mais estimava e, às vezes, deixando de fora livros que, invés, em outras comunidades constavam no respectivo códice. Portanto, no início, não existia uma produção centralizada dos códices e eram comuns diferenças entre os livros de cada comunidade.

Foi por isso que em diferentes períodos os responsáveis da igreja (Novo Testamento) e o judaísmo (Antigo Testamento) tiveram que debater sobre quais livros entravam na lista oficial dos livros bíblicos. Esse processo é conhecido como definição do cânon bíblico e, para os cristãos, foi concluído somente no século XVI, com o Concílio de Trento marcado pelo contraste entre os católicos fiéis a Roma e a Reforma protagonizada por Lutero. Nesse período foi definida a diferença entre a Bíblia Católica e a Bíblia Protestante (veja mais).

Escribas e nossas versões

Os códices se baseavam em manuscritos que eram transmitidos e copiados por escribas que procuravam escrupulosamente reproduzir o texto original. Alguns erros aconteciam, muitas vezes involuntariamente. Por exemplo, o escriba podia pular de uma linha para outra. Outros erros podem ter sido voluntários. Um escriba pode ter querido explicar, por exemplo, uma frase difícil de entender. Hoje em dia esses acréscimos ou erros involuntários foram depurados, com critério científico, e versões críticas colocam nas mãos dos tradutores textos que muito provavelmente são os textos que saíram da mão do autor original do livro.

Na dinâmica de trasmissão precisa também considerar a divisão em capítulos e versículos do texto bíblico. Não é uma coisa feita pelo autor. Durante mais de 1000 anos os textos sobreviveram sem esses números. É uma coisa muito prática, pois podemos indicar de modo muito prático uma passagem. Por outro lado, essa divisão significa também uma interpretação do texto, pois separar um versículo do outro significa estabelecer um ponto de vista (veja mais sobre esse tema).

Até o início do século passado, a maioria das traduções em nossas línguas não eram feitas do texto original, mas a maioria vinha do latim, que por sua vez era uma tradução. Hoje em dia, as traduções que temos em mãos são obras feitas por equipes de expertos que se baseiam em edições críticas dos textos originais. São fruto de um trabalho científico muito árduo e, na maioria das vezes, o resultado é muito lovável. É claro que cada tradução sofre a influência da visão do tradutor. Portanto, cada tradução tem por trás de si uma certa ideologia. Isso é inevitável. Cabe ao leitor ter consciência desse aspecto.