Há várias pessoas que nos escrevem, quase diariamente, perguntando sobre o dízimo. Muitas vezes não respondemos porque já existe uma lista de respostas que falam das passagens bíblicas e sobre a reflexão teológica que estão por trás do costume do dízimo (veja aqui as respostas já dadas). Queria aproveitar essa ocasião para sugerir uma reflexão. Dessa vez não falo como biblista, mas como um cristão como você, que está lendo esse texto.

Muitas manifestações religiosas nascem de uma necessidade física, cultural ou social e ganham um valor transcendental. Poderíamos ler, por exemplo, a circuncisão, prática presente até hoje entre os judeus, nessa perspectiva. Pode ter sido, nas origens, uma questão higiênica. Depois, porém, tornou-se um sinal da aliança entre Deus e seu povo. Para nós cristãos esse sentido foi perdido e hoje não seguimos mais essa prática.

Poderíamos também fazer um exercício semelhante com o dízimo. No Antigo Testamento havia uma situação social que precisava ser moderada, que era o fato dos sacerdotes não terem tido herança e, por isso, precisavam ser sustentados. Não esqueçamos: junto com eles, também os órfãos e viúvas. Era uma necessidade social, que, graças à religiosidade, se transformou em um preceito que refletia a vontade divina. Ou seja: era fundamental, já humanamente falando, prover ao sustento daqueles que não tinham que comer. Todavia desejou-se dar dignidade a esta necessidade, transformando-a em mandamento religioso. Daí deriva a análise teológica que acompanha a prática do dízimo: o despreendimento, a certeza de que o que possuímos é dom de Deus, a caridade, etc.

Analisando friamente a questão social no contexto bíblico, precisamos sublinhar também a ausência de um estado que cuidava dos seus cidadãos: não existiam escolas públicas, cuidados com a saúde e outros investimentos por parte do estado. Tudo o que os estados arrecadavam com impostos era destinado ao império, ao exércio ou à manutenção da máquina governativa. Normalmente, quem suplia à carência de atenção em relação aos mais necessitadoss era a religião. Hoje em dia - mesmo se nem em todos os lugares - o estado está presente e pagamos pesadas taxas para as questões inerentes à assistência social. Nessas taxas, embora não em modo voluntário, há um pouco do dízimo.

Por outro lado, em nossas comunidades existe uma necessidade concreta: elas precisam, fisicamente, sobreviver. Por comunidade entendo a atenção às estruturas contruídas (construções, conta da água, da luz, etc), mas também o atendimento das pessoas, seja o sálario dos pastores/padres/irmãs que o cuidado das pessoas carentes. Toda comunidade, que merece tal apelativo, não pode prescindir de cuidar de si mesma. Portanto a coleta poderia ser vista sob essa luz, fundando-a com argumentos parecidos com aqueles aplicados à prática do dízimo.

Por outro lado me pergunto se precisamos institucionalizar o fato dos 10%. Eu sinceramente penso que cada comunidade precisa ser muito transparente na gestão das despesas e fazer com que todos participem ativamente delas. E penso também que ninguém precisa pedir mais do que se gasta e, em caso de falta de transparência, ninguém é obrigado a manter, só por que o pastor ou o padre insiste, o costume de tirar dinheiro do próprio bolso para dar à igreja. Defendo que toda comunidade deva ter um conselho de administração (e não o pastor ou o padre que tem em mão toda a economia), ver quanto se gasta e criar meios para que os participantes ajudem no pagamento dos gastos: festas, rifas, dízimos, centésimos, etc.

Tenho certeza que o cristão é chamado à caridade e também a participar do welfare e, lendo as passagens bíblicas inerentes ao dízimo, é é esta conviccção que está por traz da prática bíblica de dar uma parte do próprio ganho a quem não tem. Esse costume precisa ser alimentado e defendido. Todavia há várias formas de ser caridoso, por exemplo dando uma esmola a um pobre que se encontra pela estrada. Para mim, isso também é dízimo.

Basicamente, a mensagem que estou tentando transmitir com essas linhas é que se você nunca faz caridade, questione o seu modo de ser cristão. Mas quero também frizar que se você é fiel no dízimo da sua igreja, não significa, necessariamente, que é caridoso.