Não é fácil dar uma resposta à questão que você põe. De fato pensamos que o mal não vem de Deus, visto que é o eterno e sumo bem, como transparece sobretudo na teologia medieval (Pedro Aberlado, Francisco de Assis: �??... que és o Sumo Bem, todo o Bem, cada bem, que só tu és bom�?�). E as respostas que encontramos sobre Satanás vão de um extremo ao outro: para alguns é um deus, que contrapõe o Deus bom, para outros não existe. Por isso ficamos perdidos e não sabemos bem como organizar nossas idéias sobre esse argumento.

Há várias nomes para designar o inimigo de Deus: Satanás, Diabo, Belzebú, Demônio... Generalizando, são sinônimos de uma mesma realidade. Na verdade �??Satanás�?� é uma palavra hebraica, cuja correspondente em grego é �??diabolos�?�.

Primeiro de tudo é preciso dizer que se trata duma presença que não podemos ignorar. No Novo Testamento aparece 80 vezes (36 satanás, 37 demônio e 7 como Beelzebul). Etimologicamente �??Satanás�?? significa �??adversário�??, �??acusador�?? e, conforme se deduz do livro de Jó, era uma figura pública, quase um ministério, que se julgava fazer parte da corte celeste onde tinha a função de denunciar os pecados das pessoas. O termo grego, Diabo, invés tem um outro significado: �??aquele que divide�??. O termo grego tem, portanto, somente sentido negativo: é aquele que tenta, que procura, com todos os meios, separar o homem de Deus. Na nossa concepção predonima esse significado grego e esquecemos do outro sentido dado a esta personagem.

Ao contrário do que se pode imaginar, na Bíblia não existe um ensinamento sistemático em relação a Satanás e nem se diz qual é a sua origem. �?s vezes, sobre esse argumento encontramos menção de textos como Isaías 14,12-14 ou Ezequiel 28,12-19, mas é preciso sublinhar que esses textos não falam de �??anjos caídos�?�, mas sim são mensagens dirigidas a reis, Nabucodonosor de Babilônia e o rei de Tiro, respectivamente. Apesar disso, das Escrituras podemos encontrar elementos que nos ajudam a entender a natureza dos inimigos de Deus. Normalmente trata-se de seres que têm vontade e inteligênsia e si opõem resolutamente a Deus, embora seja verdade que às vezes não se sabe exatamente se o mal é pensado em sentido abstrato ou pessoal, como em Mateus 6,13.
O poder do maligno, primeiro de tudo, consiste na capacidade de se dissimular. �? por isso que Paulo aos Coríntios diz: �??Satanás se mascara de anjo da luz�?� (2Coríntios 11,14). Além disso, como podemos deduzir lendo Jó (veja Jó 1,6-12; 2,1-7), Satanás tem acesso às realidades celestes de Deus e è desta participação que ele tira sua força de atração.

Ora se Satanás é uma realidade pessoal, então temos por acaso uma oposição entre duas realidades metafísicas de igual força e igual direito, ou seja, um dualismo a carácter pessoal? Essa tese, defendida pelos maniqueus, não encontra fundamento na Bíblia. Satanás é uma criatura e depende de Deus. Satanás e os demônios não têm poder divino e em seu agir são subordinados a Deus. Não existem, portando, duas divindades que encarnam o princípio de bem e do mal no mundo. A soberania de Deus sobre Satanás é confirmada em Apocalipse 20,2-3: �??Ele agarrou o Dragão �?? que é o Diabo, Satanás �?? acorrentou-o por mil anos e o atirou dentro do Abismo, fechando-o e lacrando-o com um selo para que não seduzisse mais as nações... �?�

Fica claro que a partir da Bíblia não podemos dizer que Satanás é somente uma alegoria do mal, mas sim um espírito angélico, que escolheu, com liberdade, de não servir a Deus e usar contra Ele os dons que recebeu (veja 2Pedro 2,4; Judas 6). �? também evidente que a Bíblia não fala das realidades satânicas para satisfazer as nossas curiosidades. Oferece, invés, indicações que nos mostram como se comportar diante das suas insídias. O exemplo último e fundamental vem de Cristo, do seu sofrimento, que foi tentado como nós e permaneceu sem pecado. Por isso Satanás perdeu o direito sobre aqueles para os quais Cristo morreu.

Entender a existência do mal é um desafio. Acredito que elementos para a reflexão devem ser tirados da característica de Deus, que doa a liberdade às suas criaturas. Como criatura, Satanás tem a liberdade, graças à inteligência e à vontade, de escolher se estar a serviço de Deus ou não. Ele escolher agir contra o Sumo Bem.