O texto de Marcos 7,18-19: E ele (Jesus) disse-lhes: “Então, nem vós tendes inteligência? Não entendeis que tudo o que vem de fora, entrando no homem, não pode torná-lo impuro, porque nada disso entra no coração, mas no ventre, e sai para a fossa?” (Assim, ele declarava puros todos os alimentos.). Essa última frase, entre parênteses, é problemática. Literalmente diz “purificando todos os alimentos”. Provavelmente, se você confere, na sua bíblia terá um texto diverso.

 

Esse ensinamento de Cristo é colocado dentro de uma passagem relativa ao puro e ao impuro. Esse tema em âmbito do judaísmo é amplo e, um dos seus aspectos, é o alimento. O fundamento bíblico se encontra em Levíticos 11. Sobre o porco fala, nesse capítulo, no versículo 7-8: tereis como impuro o porco porque, apesar de ter o casco fendido, partido em duas unhas, não rumina. Não comereis da carne deles enem tocareis o seu cadáver, e vós os tereis como impuros.

 

Essa questão deve ter sido muito importante na primeira comunidade cristã. De um lado os judeus-cristãos pretendiam observar os preceitos que haviam aprendido em casa, nas suas famílias que praticavam a religião judaica. E nelas os preceitos descritos em Levíticos eram observados. Do outro lado existia a pressão dos gentios, que vindos do mundo helênico, não queriam observar tais prescrições. O auge desse conflito é descrito em Atos dos Apóstolos 15, no Concílio de Jerusalém. Nessa ocasião o nó da discórdia era a circuncisão, que os de origem hebraica queriam impor aos gentios. Esse concílio deliberou que aos gentios não fosse imposto nenhum peso “além destas coisas necessãrias: que vos abstenhais das carnes imoladas aos ídolos, do sangue, das carnes sufocadas, e das uniões ilegítimas” (Atos 15,28-29).

 

Acredito que possa servir de juízo, em relação a nossa presunta ortodoxia na observância da Lei, a nossa atitude diante da questão da carne de porco. Provavelmente essa carne em particular ganha importância porque também os muçulmanos, como so judeus, não a podem comer. Todavia, junto com a carne de porco, como podemos ler em Levíticos 11, há tantas outros tipos de carnes proíbidos: coelho, peixes sem escama e/ou barbatanas, o avestruz e todos os répteis que rastejam. Se fôssemos autênticos, a mesma preocupação que reservamos à carne de porco deveria ser observada para os outros alimentos.

 

O texto que você cita, do Evangelho de Marcos, pode ser considerado como pano de fundo para a práxis cristã, embora não fale diretamente das leis alimentares. O cristão deve viver a sua fé dentro da sociedade, respeitando também os seus valores adquiridos com o tempo e não alheio aos eventuais progressos (os alimentos hoje se conservam sem dificuldades; os meios de comunicação em geral e a internet em particular, etc.). Na origem, pode até ser que a proibição de comer carne de porco (e de outros animais) derive do perigo de contaminação, visto que conservá-la, no passado, não era tarefa simples. É óbvio que não se limita a isso, pois foi adjunto também um valor religioso. O mesmo vale, por exemplo, também para a circuncisão, embora com um quadro mais complexo. Os cristãos acreditam, graças às palavras de Jesus, que o mais importante é o sentimento do coração, que santifica todas as ações que realiza.