Lendo a Bíblia com os óculos críticos, sem usar aqueles da fé, aparecerão milhares de perguntas como esta, que você pôs. Teríamos que nos perguntar também, por exemplo, se houveram duas criações do homem... De fato Gênesis 1,27 fala de uma e logo após, em Gênesis 2,4 seguintes, encontramos outra história da criação. Ou ainda: por que Abraão, pai da fé, expulsou de casa Agar, com quem teve um filho, mandando-os para o deserto (Gênesis 16)? Por que os filhos de Araão, Nadab e Abiu, sacerdotes, oferecerão uma oferta a Deus e por isso morrerram (Levítico 10,1-3)? E, como estas, há tantas outras interrogações que aparecem a um leitor atento. Essas perguntas não são irracionais e nem é errado fazê-las. O fundamental é a atitude de quem busca a resposta. A resposta não deve derivar da lógica do texto, isto é, da nossa concepção moderna de leitores e sedentos de conhecimento histórico. A Bíblia não é somente um livro histórico. �? a narração da história de uma caminhada de fé. E essa narração é feita por alguém que experimentou e viveu de modo intenso a fé. Sem fé a Bíblia é lida de modo parcial e, muitas vezes, errôneo. Falando concretamente da sua questão, como já tivemos oportunidade de frisar neste espaço, a descrição da criação contada na Bíblia não é uma narração histórica. �? uma narração antiga que tenta interpretar, graças aos instrumentos disponíveis na época do autor e à inspiração divina, como surgiu a vida na terra. Quando a Bíblia fala que Caim conheceu sua mulher (Gênesis 4,17), da qual nasceu Henoc, não significa que na história desse homem existiam somente seus pais. Caim não é histórico, no sentido moderno, mas um símbolo: construtor da primeira cidade, pai dos pastores, dos músicos, dos ferreiros e das prostitutas, expressões da comodidade urbana e, talvez por isso, amaldiçoado.