Essa sua observação também impressiona a mim. Na média, a representação de Jesus não só é sóbria, mas tem muitas vezes um ar de tristeza. Isso, sem dúvida, contrasta com uma humanidade vivida plenamente, da qual, sem dúvida, a alegria faz parte. A vida de Cristo foi, sem dúvida uma vida alegre, bem vivida, como deve ser também a vida do cristão, como lembrado por Pedro em Atos dos Apóstolos: “meu coração se alegra, minha língua exulta e minha carne repousa com esperança.”

A expressão iconográfica sinceramente sofre de um ponto de vista limitado da perspectiva humana de Deus, encarnado em Jesus Cristo. Isso tem raízes profundas também na teologia. Por exemplo, na Idade Média, alguém que escrevia sob o pseudônimo de Ambrósio, o famoso Padre da Igreja, diz: “leio que Ele chorou, nunca que riu”, negando que os lábios de Cristo tenham um dia sorriso. Acredito que tudo isso seja consequência de uma leitura a posteriori da tristeza infinita por causa da rejeição do amor oferecido por Jesus à humanidade, tristeza essa que se reflete na representação iconográfica. Mas certamente essa não é toda a verdade.

 

Jesus riu?

Nos evangelhos nunca encontramos Jesus como sujeito do tradicional verbo da ação de rir, que em grego é ghelao. Riem de Jesus, isso sim (Mateus 9,24). E riem também aqueles que gozam atualmente, esperando que o destino mude: Aí de vocês que agora riem... Chorarão (Lucas 6,21.25 – veja também Tiago 4,9).

Se de um ponto de vista objetivo podemos fazer a constatação acima, é preciso também considerar que os Evangelhos não são biografias completas da figura histórica de Jesus, mas apenas alguns traços iluminados pela fé. Se faltam alguns elementos inerentes à fisionomia ou ações de Jesus não significa que eles não existiam durante a sua vida sobre a terra. Por exemplo, sabemos bem que foi acusado de muita liberdade, em certo sentido: “veio o filho do homem que come e bebe e dizem: eis aí um glutão e um beberrão, amigo de publicamos e pecadores (Mateus 11,19).

Podemos tranquilamente supor que Jesus tenha sorriso e isso tenha sido parte da sua experiência, pois é algo fundamental do ser humano, coisa que Cristo abraçou de maneira extrema.

Os Evangelhos, ao invés de falar do “rir” preferem sublinhar o aspecto da alegria. De fato esse vocábulo significa exatamente “boa, alegre notícia”. É principalmente Lucas que sublinha o aspecto da alegria de Jesus. Há inclusive quem dá como título a um comentário sobre Lucas de “A Alegria de Deus” (Helmut Gollwitzer). Pra mostrar isso, basta ver como o verto cháiro (alegrar-se) e o substantivo chará (alegria) aparecem 20 vezes no Evangelho de Lucas. Logo no início, o Evangelho começa com um “alegra-te”, muitas vezes traduzido como um simples “salve”.

Há em Lucas uma passagem que se chama “hino à alegria” ( 10,21-22). Lucas diz que “Naquele momento, ele exultou de alegria sob a ação do Espírito Santo”.

Podemos assumir que Jesus sorriu, como elemento característico da natureza humana. E terminamos lembrando uma frase de Lutero que assim descreve a Jerusalém celeste:

E todas as criaturas também sentirão um prazer, um amor, uma alegria lírica, e rirão com você, Senhor, e você, por sua vez, rirá com elas.