O nome árabe da localidade é Hirbet Qumrãn. Trata-se de um grupo de ruínas ao pé das montanhas do deserto da Judéia e a 500 metros das margens do Mar Morto, não muito longe de Jericó. Foi ignorado por muito tempo, mas entrou como protagonista no mundo bíblico a partir de 1947, quando descobriu-se, por acaso, grutas em volta da localidade, que guardavam no seu interior os assim chamados “manuscritos do Mar Morto”.

Graças ao trabalho dos arqueólogos foi possível descobrir que no local residia uma particular comunidade que, como mostram as evidências, quando estourou a guerra entre judeus e romanos, nos anos 60-70 depois de Cristo, escondeu, nas grutas próximas, os textos que lhe pertenciam. Por causa dessa descoberta o nosso conhecimento do judaísmo do tempo de Jesus foi enriquecido de forma espetacular. Também o início do cristianismo e o Novo Testamento puderam ser considerados sob novas perspectivas e o texto do Antigo Testamento ganhou um testemunho privilegiado.



A descoberta

Os textos foram encontrados por um pastor árabe, que procurava recuperar uma cabra que tinha se separado do rebanho. Por acaso descobriu um buraco no barranco. Jogou uma pedra e escutou o barulho de vasos de cerâmica que se quebravam. Os pastores, nos dias seguintes, pensavam ter descoberto um tesouro, mas ficaram frustrados, pois acharam apenas alguns pergaminhos amarrados e um pouco fragmentados por causa do tempo. Eles em prática encontraram os primeiros 7 pergaminhos do Mar Morto.

Existe uma história muito complexa que descreve o caminho dos 7 pergaminhos descobertos pelos pastores. Trata-se quase de uma saga, que provavelmente não se conhece exatamente as etapas. Normalmente, porém, conta-se que os pastores venderam os 7 rolos separadamente a 2 antiquários de Belém. Estes venderam 4 rolos, por preço muito baixo, a Athanasius Samuel, metropolitano sírio ortodoxo do mosteiro São Marco, em Jerusalém. Em seguida foram examinados por estudiosos da Escola Americana de Investigação Oriental, que imediatamente perceberam a importância do material. John Trever fotografou detalhadamente os rolos e o arqueólogo William Albright anunciou logo em seguida que os textos eram do período entre os anos 200 antes de Cristo e 200 depois de Cristo e veio a público que manuscritos muito antigos tinham sido descobertos no deserto da Judéia.

Outros 3 manuscritos, de Belém, foram vendidos ao arqueólogo da Universidade Hebraica Sukenik, pai de Yigal Yadin, general do exército e famoso arqueólogo que escavou Massada e Hazor.

Os 4 manuscritos comprados pelo metropolitano sírio foram parar nos Estados Unidos, onde ele tentou vendê-los, sem sucesso. Finalmente publicou um anuncio no Wall Street Journal e, ainda uma vez por acaso, Yigal Yadin viu o anúncio e comprou os 4 rótulos por cerca de 250 mil dólares. Em 1955 o governo de Israel anuncia que comprou todos os 7 manuscritos e que seriam conservados num museu especial, chamado Santuário do Livro, onde estão até hoje.



A comunidade

A descoberta dos manuscritos levou muitos arqueólogos a interessar-se pelo local onde foram encontrados. Já em 1949 teve início uma expedição oficial, que encontrou mais 10 grutas que também escondiam pergaminhos. Depois dessas primeiras descobertas a atenção foi dada às ruínas próximas às grutas, que se pensava fossem somente os restos de uma fortaleza romana. Depois das escavações o parecer é quase unânime: foi ali que nasceram todos os manuscritos encontrados, fruto do lavoro de uma comunidade que viveu naquele local entre os anos 125 antes de Cristo e 68 depois de Cristo. Os pergaminhos teriam sido escondidos com pressa naquelas grutas, enquanto a suposta comunidade escapava da invasão do exército romano, que se encontrava na Judéia para abafar a revolta judaica dos anos 66 a 70 depois de Cristo.

A origem da comunidade provavelmente tem a ver com conflitos no templo de Jerusalém entre os sacerdotes. O líder da comunidade de Qumrãn, chamado nos manuscritos de “Mestre de Justiça”, era um sacerdote que lutava para implantar uma observância mais rigorosa da Lei nos atos litúrgicos em Jerusalém. Em particular pretendia substituir o calendário lunar com o solar. Isso teria permitido observar de modo mais estrito o sábado, pois desse modo as festas não cairiam nunca nesse dia. Com propostas como esta esse personagem, de quem não se conhece o nome, entra em conflito com os asmoneus, que unificaram o poder religioso àquele político e decide abandonar Jerusalém e vai viver no deserto, com seus seguidores, para preparar-se ao fim do mundo, que julgava estar próximo.

A comunidade provavelmente não era pequena, pois os túmulos encontrados são mais de 1000. Para se sustentar trabalhavam na agricultura nas proximidades das atuais ruínas e dividiam aquilo que possuíam. Normalmente são identificados com os essênios, seita que já era conhecido há tempo e é também citada na Bíblia.

Os homens de Qumrãn acreditavam firmemente na assim chamada “doutrina das últimas coisas”: se preparavam para um juízo eminente onde os seus inimigos seriam derrotados e eles, escolhidos por Deus, venceriam, segundo a promessa dos profetas. É nesse contexto que precisa colocar a doutrina sobre o Messias, muito presente nos textos do Mar Morto. Eles acreditavam em 3 messias: um profeta, outro sacerdote e o terceiro rei ou príncipe. Na Regra da Comunidade, um dos documentos encontrados, se diz que o membro da comunidade deve viver sob a Lei até a chegada do profeta e dos messias de Aarão e Israel. Essas três figuras apareceriam antes dos últimos dias, que a comunidade atendia. No documento chamado Testemunho são citadas algumas passagens da Bíblia que sustentam a doutrina messiânica: Dt 18,18-19 – Deus diz a Moisés: suscitarei um profeta como ti entre teus irmãos”; Nm 24,15-17: Balaã prevê que aparecerá um príncipe conquistador; o terceiro texto é a bênção pronunciada por Moisés sobre a tribo de Levi, tribo sacerdotal (Dt 33,8-11).

No fim dos tempos, os homens de Qumrãn atendiam a batalha final na qual eles, os filhos da luz, lutariam contra os filhos das trevas. Portanto a teologia de Qumrãn é baseada num dualismo exagerado. A pureza cultual e a observância radical da Lei serviam como preparação à guerra final.



Os textos do Mar Morto

Quando falamos de “Manuscritos do Mar Morto” é necessário precisar bem, pois os textos assim chamados provém de 4 lugares diferentes: Qumrãn, Wadi Murabba’at, Massada e as grutas de Bar Kochba (Ein Ghedi). Falemos, porém, apenas dos textos descobertos em Qumrãn.

Até hoje foram encontradas 12 grutas, que conservaram cerca de 600 pergaminhos e milhares de fragmentos. Os estudiosos, quando citam tais textos, usam siglas tais como 1QM (Rótulo da Guerra – o número um significa que foi encontrado na gruta 1 e Q significa Qumrãn), 7Q1 (Êxodo 28,4-6), etc.

Foram encontrados textos de todos os livros da Bíblia Hebraica (Antigo Testamento), exceto textos do livro de Ester. Além de textos bíblicos, existiam também muitos outros que podem ser considerados como comentários bíblicos (pesharim), textos apócrifos ou textos relativos à vida ordinária da comunidade que ali vivia.

Os primeiros 7 documentos encontrados naquela que foi chamada Gruta 1 foram os seguintes:

1. Uma cópia bem conservada de Isaías
2. Um outro fragmento de Isaías
3. Um comentário dos primeiros capítulos de Habacuc, onde o texto é explicado de forma alegórica, com menção da comunidade.
4. O Manual da Disciplina ou também conhecido como Norma da Comunidade. Trata-se da maior fonte de informações sobre aquela comunidade, onde são descritos os requisitos necessários àqueles que pretendem entrar na seita.
5. Hinos de Ações de Graça – Uma coleção de “salmos” devocionais de ações de graça e louvor a Deus.
6. O livro do Gênesis, parafraseado e em aramaico.
7. O Rótulo da Guerra, que trata da luta entre os filhos da luz (membros da comunidade de Qumrãn) e os filhos das trevas, que aconteceria nos “últimos dias”, os quais aqueles religiosos acreditavam estar chegando.

Entre os documentos descobertos sublinhamos ainda o Rótulo do Templo, que descreve em detalhes como seria, no modo de ver dos religiosos daquela comunidade, o Templo. Também interessante é o rótulo de cobre, que foi necessário cortar em tiras para ser lido. Esse documento continha uma lista de 60 tesouros escondidos em diferentes partes da Palestina, que porém não foram encontrados. É importante por que revela quanto difusa era a comunidade e o que possuíam. Outros documentos importantes para conhecer o ambiente judaico do primeiro século são o Documento de Damasco e a Regula da Comunidade. Além desses há outros documentos, como dizemos acima, chamados pesharim (singular = pesher, que significa comentário), que são comentários a textos bíblicos e permitem entender qual é a teologia daquela comunidade e sobretudo como interpretavam a Bíblia.

Quanto à ligação com textos do Novo Testamento, até hoje não existe nenhuma prova que haja textos em Qumrãn relacionados com os textos que falam de Jesus. Existem duas hipóteses, mas que são apoiadas por poucos e possuem inúmeros argumentos contrários. Essas hipóteses defendem que 7Q4 e 7Q5 se referem a textos do N.T., respectivamente ao evangelho de Marcos e à Carta a Timóteo. Além de argumentos contrários à possibilidade que tais documentos possam ter chegados em Qumrãn até 68 depois de Cristo, pois a data de redação é muito próxima a este ano, existem muitos outros mais determinantes, de ordem textual. Alguns chegam até a afirmar que a gruta 7 continha muitos textos relativos ao Novo Testamento (D. Estrada e W. White, em 1978), mas essa hipótese não encontra absolutamente apoio dos espertos e normalmente são divulgados pela imprensa sensacionalista.
De qualquer forma a gruta 7 levantou muitas questões sobre a relação do cristianismo primitivo com a comunidade de Qumrãn.

Alguns afirmam que houve contato de Jesus com o Mestre de Justiça, de João Batista com a comunidade e também do Evangelista João. Todavia essa tese é pouco provável. A verdade é que nem os textos de Qumrãn, nem o Novo Testamento permitem tal conclusão. A hipótese se baseia sobretudo em idéias parecidas, como o uso da água por parte de João Batista, a doutrina sobre a comunhão, presente seja na pregação de Jesus que na doutrina da comunidade, mas tudo isso pode ser explicado pelo fato que as distâncias eram mínimas (Qumrãn está a 40 quilômetros de Jerusalém) e também pela contemporaneidade de suas existências. Há muitos escritos que sublinham como a teologia do cristianismo é diferente daquela de Qumrãn. É excelente o artigo de J. H. Fitzmyer, The Qumrãn Scrolls and the New Testament after Forty Years, RQ 13 (1988).



Bibliografia
1. Grande Enciclopedia Illustrata della Bibbia, Vol. 2 e 3 – Piemme – 1997.
2. Florentino García Martínez, Textos de Qumrãn, Petrópolis, Vozes, 1995, 582 pp. Tradução dos 250 textos mais importantes de Qumrãn.
3. Florentino García Martínez, Julio Trebolle Barrera, Os Homens de Qumrãn - Literatura, estrutura e concepções religiosas, Vozes, 1996, 299 pp
4. Elenco de bibliografia completa: http://orion.mscc.huji.ac.il/resources/bib/current.shtml

Leia mais na Internet
1. Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos – Textos introdutórios e traduções em inglês
2. A voz “Pergaminhos do Mar Morto” na enciclopédia aberta WIKPEDIA
3. The Orion Center - Institute for Jewish Studies at the Hebrew University of Jerusalem – Site dedicado exclusivamente os manuscritos de Qumrãn, em Inglês
4. Artigo sobre o argumento de Airton José da Silva