O livro de Jó, que sonda o mistério do sofrimento, do mal em nossas vidas, é um livro, em certo sentido, antropológico, embora se exprima com termos teológicos. Nisso reside a sua força e atualidade perene. Jó de debate com um certo Deus que foi concebido, que não é necessariamente o Deus verdadeiro, mas é o “Deus” que existe ainda na mentalidade de hoje. Esse livro nos ensina a como entender esse “certo Deus” que criamos e que pode até nos oprimir. Tudo isso faz com que esse livro tenha um fascínio extraordinário e um valor incomensurável.

Mas não nos deixemos tomar pela empolgação e vamos à resposta da sua pergunta.

Em termos de crítica textual, que é a disciplina exegética que busca encontrar o texto original do autor sagrado, esse livro apresenta muita matéria para o estudo. Esse texto foi escrito em hebraico e depois traduzido para o grego, que chegou até nós na versão dita LXX (Setenta ou Septuaginta). A tradução grega de Jó è muito usada, pois apresenta características particulares. A primeria delas é que, enquanto no hebraico temos um texto poético, a LXX traz um texto em prosa. Além disso, a versão grega como você bem indicou, tem passagens que não aparecem no texto hebraico, embora outras vezes algumas passagens do hebraico não estão no grego. De fato, os críticos dizem que a versão da LXX é 1/6 mais breve do que aquela hebraica. Concretamente, não sabemos se o texto grego tem adjuntas e/ou omissões ou se simplesmente, em relação aos acréscimos, traz uma tradução do texto original hebraico que não chegou até nós. Normalmente os textos bíblicos que temos em mãos se limitam a transcrever o texto hebraico e apenas edições tipicamente de estudo indicam os textos que são acrescentados pela LXX.

No caso que você menciona, do final do livro (Jó 42,17), na Bíblia de Jerusalém, por exemplo, temos uma nota que diz assim:

O grego contém duas adições. A primeira atesta que antigamente se encontrava no livro a ideia de ressurreição: “Está escrito que ele ressuscitará de novo com aqueles que o Senhor ressuscitar”. A segunda nos diz que Jó habitava “no país de Ausítide, nos confins da Idumeia e da Arábia”; ela o identifica com Jobab (Gênesis 36,33).

O fato que essa nota fale explicitamente de “adição” já mostra o juízo sobre esse texto, visto como algo que não pertencia ao original. Esse juízo é feito em base a princípios teológicos e também literários. Sabemos bem que a ideia de ressurreição é bastante tardia na reflexão dos judeus. O livro de Jó teria sido escrito no século V antes de Cristo. Nesse período provavelmente não existia ainda uma clareza assim evidente da ressurreição e, portanto, é pouco provável que o autor de Jó a tenha feito, como trazido pela versão grega.

Uma análise parecida se pode fazer com a identificação de Jó com o personagem de Gênesis 36. Um dos princípios da crítica textual é aquele que atribui a originalidade à simplicidade: quanto mais simples for um texto, é mais provável que seja o original. A consequência desse princípio é que lá onde existam leituras diferentes é melhor escolher como original aquela que dá menos detalhes. Provavelmente a identificação de Jó com Jobab é uma tradição tardia, que não corresponde ao autor de Jó.