Higor, nosso leitor, comenta ainda esse tema:

Sou cristão e tenho cabelo na altura entre o pescoço e o ombro, porém não creio que o tamanho dos fios do cabelo atrapalhe minha masculinidade e comportamento correto, porém meu pastor falou que estou pecando e que o uso era exclusivo das mulheres. Estou errado? Sempre gostei de cabelo com um comprimento maior e nunca corto. Não me sinto desonrando a Deus, procuro sempre ter uma comunhão ativa com Ele na oração, jejum, e lendo a palavra.

 

Essa sua questão está relacionado com a Primeira Carta de Paulo aos cristãos de Corinto. No capítulo 11 lemos assim:

Não vos ensina a própria natureza que se o homem tiver cabelo comprido, é para ele uma desonra; mas se a mulher tiver o cabelo comprido, é para ela uma glória? Pois a cabeleira lhe foi dada em lugar de véu. (1Cor 11,14-15).

Esse capítulo de Paulo é lido, muitas vezes de maneira errada. O cerne nesse texto é a igualdade que deve reinar entre homens e mulheres na comunidade. Essa explicação resulta de uma questão concreta na comunidade.

Estamos na Grécia, aonde os judeus eram uma minoria. Entre os cristãos haviam judeus e também gregos, que não tinham os costumes dos judeus. Os cristãos traziam para a comunidade seus próprios costumes. Sendo dois grupos distintos, atritos podiam ocorrer, principalmente em relação a regras de comportamento, a aspectos externos.

Pesquisas afirmam que as mulheres judias tinham por costume sair em público com a cabeça coberta, principalmente se iam para as sinagogas, lugar de culto dos judeus na diáspora. Em Corinto esse costume hebraico não era visto como necessário pelos gregos. Mesmo assim, provavelmente muitos judeus que ali viviam seguiam essa prática. Paulo, que procurava conciliar os dois grupos de cristãos, propõe uma solução intermediária, para evitar que esse costume, que em si não tinha importância, se tornasse motivo de divisão na comunidade. Ele então propõe que todas as mulheres cubram a cabeça. Para os judeus isso significaria um sinal de subordinação e distinção, respeitando a ordem da criação (Deus > homem > mulher), enquanto que para os cristãos de origem pagã o cobrir-se a cabeça significaria um sinal de autoridade, sublinhando a faculdade da mulher de profetizar como o homem.

A questão dos cabelos é mencionada dentro desse debate. Já isso basta para sublinhar que não era o tema predominante da carta de Paulo. Ele usa uma compreensão temporânea inerente a costumes daquela época para sustentar uma tese muito mais importante, que é a igualdade de participação ativa dos homens e das mulheres na assembleia, argumentando, nos versículos 3-9 em favor dos homens e nos versículos 11-12 em favor das mulheres, resultando, no final, uma harmonia que não tem nada a ver, em si, com a questão dos cabelos.

 

Regras de comportamento na bíblia e nós hoje

A Bíblia não dá respostas prontas para nós. Ela nos ensina a pensar e a modelar nosso agir conforme a vontade divina. Não podemos pensar que as Escrituras são um simples livro de regras. É um livro dinâmico e acompanha o cristão durante todos os tempos, tanto na antiguidade, quanto na Idade Média, hoje e no futuro.

Sobre regras e costumes, precisamos ser bastante maduros para entender que mudam com o tempo e que isso não afeta necessariamente a integridade do nosso agir como cristãos. Não é correto que o cristão se aliene da cultura típica do seu tempo. É claro que é imprescindível que ele a valorize, dando-lhe o valor cristão.

Isso sublinha o fato que existem sempre certas práticas que o cristão deve julgar e não simplesmente segui-las só porque são atuais. É necessário salvar a mensagem cristã e se certas práticas, em si, ferem essa mensagem é justo que não sejam seguidas. Todavia, o cristão não precisa condenar em princípio a vida moderna, mas é mister preservar o cerne do ser cristão, dando somente a este cerne o valor absoluto, relativizando os costumes modernos. É isto que Paulo fazia: acolhia a lógica de certa comunidade (relação homem e mulher), mas sublinhava o princípio fundamental da igualdade que deriva da vontade divina.

Certamente, hoje, um homem que usa cabelos cumpridos, não fere em nada o cerne da mensagem cristã.