É verdade, essa parábola presente em Marcos 4,26-29 não tem paralelos nos outros três evangelhos. E não existe uma razão específica para que os outros evangelistas não a tenham usado. É provável que eles não tenham havido necessidade para a mensagem que queriam transmitir.

Isso nos leva a notar alguns elementos sobre esses 4 livros, ditos Evangelhos, que falam especificamente da vida e missão de Cristo (Mateus, Marcos, Lucas e João).

Mateus e João foram 2 apóstolos, que conheceram e conviveram com Jesus. Marcos e Lucas, dois discípulos e companheiros de Paulo, não conheceram diretamente a Cristo, mas fazem parte da primeira comunidade e tiveram contato direto com os apóstolos. Sabemos que Lucas era um "estudioso", que fazia buscas sobre os fatos inerentes a Cristo e também sobre a primeira comunidade cristã (é autor também dos Atos dos Apóstolos). Lucas escreve, como ele mesmo diz, "após acurada investigação de tudo desde o princípio" (Lucas 1,3). Mas também diz que o seu objetivo é aquele de permitir a Teófilo, o destinatário das suas duas obras, de "confirmar a solidez dos ensinamentos" que recebeu. Isso nos serve para observarmos que cada evangelista tinha um objetivo concreto e aquilo que diz tem em vista esse objetivo. Por isso, precisamos considerar cada Evangelho como uma obra única, com um escopo determinado, que condiciona a escolha de um ou outro conteúdo.

Sabemos que nas primeiras comunidades as histórias sobre a missão de Cristo se transmitiram oralmente e que provavelmente existia também alguma coletânea de ditos de Jesus. Essa era a fonte daqueles que escreveram os evangelhos. Mateus e João podiam recordar das experiências que fizeram, mas lembremos que eles escreveram muito tempo depois da morte de Cristo. É provável que Mateus escreveu cerca de 40 anos depois, mas João até mesmo 60 anos depois, no final do primeiro século.

É o próprio João que ,no final do seu Evangelho, nos recorda que "Jesus fez ainda, diante de seus discípulos, muitos outros sinais, que não se acham escritos" (Jo 20,30). Dessa maneira podemos entender porque alguns textos estão presentes em alguns evangelhos e ausentes em outros: aqueles usados serviam para passar a mensagem desejada pelo autor, enquanto que outros não mencionados não entravam dentro desse escopo.

Comparando os 4 evangelhos, para ilustrar, podemos notar o seguinte:

  • Entre os sinóticos, Lucas tem 105 passagens só suas, enquanto que Mateus tem 66 e Marcos 19. Em Lucas encontramos algumas passagens muito significaticas, como as parábolas do Bom Samaritano, dos convidados que não aceitam o convite, do filho pródigo, da ovelha perdida, do rico mau e do pobre Lázaro, do fariseu e do publicano e histórias como a da pecadora arrependida, da conversão de Zaqueu, do bom ladrão e algumas narrações da infância de Cristo.
  • Em João, invés, temos muitas coisas que não aparecem nos sinóticos: as Bodas de Caná, Nicodemos, a cura na piscina, pão de vida, tudo dos capítulos 7 - 12 de João (bom pastor, ressurreição de Lázaro, unção em Betânia, etc), o novo mandamento (amor); capítulos 14-17; Pilatos declara Jesus inocente; Jesus ressuscitado aparece no Lago da Galileia.

Se tiver interesse, essa tabela mostra de maneira eloquente os textos comuns e não entre os 4 Evangelhos. É em inglês, mas através das citações dá para acompanhar a situação que se apresenta.