Você provavelmente se refere ao famoso texto de Lucas 14,25 seguintes:

Grandes multidões acompanhavam Jesus. Voltando-se, ele disse: «Se alguém vem a mim, e não odeia o seu seu pai, sua mãe, mulher, filhos, irmãos, irmãs, até a própria vida, não pode ser meu discípulo. Quem não carrega sua cruz e não caminha atrás de mim, não pode ser meu discípulo.

A primeira reação a essas palavras de Cristo é de perplexidade. Pois a experiência humana que fazemos do amor de família é fundamental e funciona; quando não funciona, representa uma situação trágica e de desconforto.

Além disso, na catequese gastamos muito tempo para aprender que um dos 10 mandamentos, o quarto, diz para "honrar pai e mãe", baseando-se quanto diz a própria Bíblia, em Êxodo 201,12:

Honra teu pai e tua mãe, a fim de que tenhas vida longa na terra que o Senhor,o teu Deus, te dá.

Sabemos que Jesus não veio provocar conflito com a Lei, com a Torah, o ensinamento bíblico. Ele veio para levá-la à plenitude, isto é, dá a interpretação justa. Portanto, é evidente que a mensagem aqui não é de ódio à família.

 

Como entender esse aparente conflito?

Como sempre acontece quando se lê a Bíblia, também nesse caso é fundamental ler dentro do contexto. Jesus está "subindo para Jerusalém" e está ensinando seus discípulos. Se quisermos, podemos nos incluir, como discípulos, nessa caminhada e sermos parte dessa "grande multidão" que se entusiasma com Jesus que passa. Traduzinho em palavras claras, a pergunta que Jesus nos faz é: temos certeza do que significa estar atrás dele, seguindo seus passos?

A menção que Lucas faz à necessidade de calcular bem os projetos que começamos, para ver se conseguimos terminar, confirma que Jesus que abrir nossos olhos sobre o que significa seguir-lo. É provável que essa "multidão" entusiasmada vai diminuir e no final, na cruz, fiquem poucos com ele. É a lógica natural do seguimento. Mas não é uma derrota, todavia uma vitória para aqueles que continam fieis, pois ganharam muito.

Lendo o texto paralelo em Mateus, no capítulo 10, nos deparamos com um outro modo de dizer aquilo que lemos em Lucas. Mateus coloca na boca de Jesus as seguintes palavras:

Aquele que ama pai ou mãe mais do que a mim não é digno de mim.

Esse MAIS DO QUE é a chave de leitura para o "ódio" que lemos em Lucas. Resulta evidente que Jesus não quer uma competição de sentimentos entre as pessoas: teríamos apenas herois e não verdadeiros cristãos. O que Ele quer é uma paixão que seja mais forte do que a que temos pela nossa família porque só assim se pode criar um mundo novo.

O segredo para alcançar esse ideal não está em uma subtração, mas em uma adição: precisa acrescentar mais amor. Jesus pede que ao amor tradicional seja acrescentado outro, maior, mais profundo, mais intenso.

 Estamos acostumados com um tipo de amor e aquele da família é o mais emblemático. Através desse tipo de amor descobrimos o quanto seja belo dar e receber amor. Aí Jesus nos diz que pode nos oferecer algo ainda maior, mais bonito e mais vital. E Ele garante isso, pois possui a sabedoria da arte de amar.

 

Uma segunda condição para ser discípulo

Alem do "amar mais", existe outra exigência para um verdadeiro discípulo

Quem não carrega sua cruz e não caminha atrás de mim, não pode ser meu discípulo.

Nos Evangelhos a cruz é a síntese da história de Cristo. Ao invés, vemos como metáfora das dificuldades quotidianas, dos problemas da vida, das doenças e até da morte. O drama não é o morrer, mas morrer por alguma coisa. A vida se doa gota a gota. Para quê? Abraçar a própria cruz é abraçar o Evangelho, a Boa Nova de Cristo e dar à própria vida um sentido, doando-a gota a gota. Esse doar-se é um amor sem medidas, corajoso, sem interesse, que não desiste e não engana. Se não você não tem amor na sua vida, não vive. E infelizmente, cada amor traz consigo uma porção de dor e se não a assumimos, não amamos.