A pergunta aborda ainda outros aspectos da visão protestante de Maria:

O que eles pensavam quanto à virgindade de Maria e também se eles deixaram para os seus seguidores alguns escritos que Maria não tem nenhuma importância na história da salvação. Eles aceitavam ou não Maria?

Nessa sua pergunta residem muitos aspectos. O primeiro é que você menciona dois personagens históricos da Reforma protestante e para cada um deveríamos fazer um estudo diferente e fazer alguma distinção entre os dois. Lutero tinha como intenção uma verdadeira Reforma da igreja, enquanto que a ideia de Calvino era sobretudo aquela de refundar a Igreja. Outro aspecto importante incito nessa sua questão é a relação que existe entre a Reforma do século XVI e os pentecostais de hoje. E um terceiro ponto que propomos é se existe possibilidade de algum diálogo.

Aqui abaixo você encontra alguns textos de Lutero.

Maria, Mãe de Deus

  • “Deus não recebeu sua divindade de Maria; todavia, não segue que seja consequentemente errado afirmar que Deus foi carregado por Maria, que Deus é filho de Maria, e que Maria é a Mãe de Deus. Ela é a Mãe verdadeira de Deus, a portadora de Deus. Maria amamentou o próprio Deus; ele foi embalado para dormir por ela, foi alimentado por ela, etc. Para o Deus e para o Homem, uma só pessoa, um só filho, um só Jesus, e não dois Cristos. Assim como o seu filho não são dois filhos...” (Martinho Lutero. Nos Conselhos e na Igreja. Ano 1539)
  • "Maria é a Mãe de Jesus e a Mãe de todos nós, embora fosse só Cristo quem repousou no colo dela… Se ele é nosso, deveríamos estar na situação dele; lá onde ele está, nós também devemos estar e tudo aquilo que ele tem deveria ser nosso. Portanto, a mãe dele também é nossa mãe..” (Martinho Lutero, Sermão de Natal de 1529.)
  • “… ela com justiça é chamada não apenas de mãe dos homens, mas também a Mãe de Deus… é certo que Maria é a Mãe do real e verdadeiro Deus”. Sermão Concórdia. vol 24. p. 107.

Sobre a relação com José e a família de Jesus

  • "Agora, a questão sobre a qual que temos que nos debruçar é sobre como Cristo poderia ter irmãos, se Ele era o filho único da Virgem Maria, e a Virgem não teve outros filhos além dele. Alguns dizem que José foi casado antes de seu casamento com Maria... Mas eu estou inclinado a concordar que 'irmãos' realmente significa 'primos' aqui, pois a Sagrada Escritura e os judeus sempre chamam os irmãos de primos." (Palavras de Martin Lutero - em inglês - Luther’s Works, Vol. 22 - pp. 214-15).
  • “Cristo foi o único filho de Maria, e da Virgem Maria não teve filhos além Dele… Estou inclinado a concordar com aqueles que declaram que ‘irmãos’ significam realmente ‘primos’. A Sagrada Escritura e os judeus sempre chamaram os primos irmãos.” (Sermão, 1539).

 

De Calvino posso citar esse texto:

"Houve certas pessoas que quiseram sugerir a partir desta passagem [Mt 1,25] que a Virgem Maria teve outros filhos além do Filho de Deus, e que José se relacionou intimamente com ela depois; mas que estupidez! O escritor do evangelho não teve a intenção de registrar o que aconteceu depois; ele simplesmente quis deixar bem clara a obediência José (...). Ele, portanto, nunca habitou com ela nem compartilhou de sua companhia (...). Além disso, Nosso Senhor Jesus Cristo é chamado o primogênito. Isso não é porque houve um segundo ou um terceiro filho, mas porque o escritor do Evangelho está destacando sua precedência." (João Calvino. Sermão sobre Mateus 1,22-25. Ano 1562)

 

Movimento pentecostal

Nos padres da Reforma não encontramos uma rejeição clara da teologia tradicional sobre o papel de Maria na história da salvação e na vida dos cristãos. A distância entre os cristãos de confissões diferentes, tão evidente hoje, nasceu só mais tarde, principalmente no Brasil, com o movimento pentecostal.

Da parte pentecostal, não encontramos teólogos que abordam o papel de Maria, mas apenas um rejeito categórico. Isso deriva do fato que Maria é automaticamente equiparada aos santos católicos e é automaticamente tirada fora de qualquer reflexão teológica, a parte a rejeição.

 

Possibilidades de diálogo

Yves Congar, grande teólogo católico no século XX, falando do Espírito Santo, chama a atenção para uma mariologia que no curso da história tomou o lugar do Espírito no meio da Igreja. Isso nos liga à tradição de algumas igrejas do oriente, como aquela da Síria e da Armênia, onde se sublinha o lado maternal de Deus exprimido não através de Maria, mas do Espírito Santo. O teólogo protestante Moltmann também convida a pensar o Espírito Santo como fonte de vida para toda a criação. E, para ele, assumir o nascimento de Cristo como obra do Espírito Santo significaria retirar muito daquilo que é atribuído à Maria, vendo a experiência de Maria como um exemplo da ação do Espírito de Deus que dá a vida.

Acredito que essa perspectiva seja um desafio para os teólogos católicos e protestantes.

É claro que é necessário observar também que, em um mundo em que os cristãos vivem tanta dificuldades, a visão da mãe de Cristo que acolhe e intercede é, muitas vezes, uma visão de conforto e misericórdia, mesmo que não teologicamente correta de acordo com o protestantismo.

Existe muito esforço no ambiente católico para iluminar os próprios fies para que entendam de maneira correta o papel de Maria na História da Salvação, mas não é simples mudar uma cultura e principalmente não se faz isso usando violência contra as pessoas que creem.