Essa sua pergunta é muito importante, pois nos ajuda a entender aspetos fundamentais da teologia e da cristologia em particular.

Explicando a sua posição, parece que a entendo assim: “se eu fosse Deus Pai, não faria crucificar meu filho e nem sofrer minhas criaturas”.

Começo respondendo dizendo que a morte na cruz de Jesus é obra dos seres humanos. E o Pai permitiu que isso acontecesse como sinal do seu amor extremo por nós, como diz João 3,16-17:

Pois Deus amou de tal forma o mundo, que entregou o seu Filho único, para que todo o que nele acredita não morra, mas tenha a vida eterna. De fato, Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para condenar o mundo, e sim para que o mundo seja salvo por meio dele.

O sofrimento é um mistério. Mas acredito que sem o sofrimento não é possível entender nem a bondade de Deus e nem ser feliz nesta vida. Isso é um mistério por que para o cristianismo certamente o sofrimento não é um valor, visto que não foi criado por Deus, mas entrou no mundo com o pecado original. E depois dele, se tornou a estrada para a salvação.

Se tiramos a cruz da mensagem cristã, tudo perde significado e Deus se transforma em algo mau. Por que o sofrimento de uma criança, por que as guerras, por que as catástrofes? Por que Deus permite tudo isso se o sofrimento não é necessário para a salvação?

Ao mesmo tempo, não pensemos que a cruz seja a meta do cristianismo. A nossa meta é a ressurreição. Tanto que Paulo diz que se Jesus não fosse ressuscitado, vã seria a nossa fé (1Coríntios 15,14).

A dificuldade de entender a relação de Jesus com a Cruz tem muito a ver com a tendência que temos de ver a mensagem de Jesus como uma resposta para a vida do dia a dia, esquecendo-nos da ressurreição, da vida eterna, da promessa de eternidade. Muitos podem se perguntar: por que sublinhar o sofrimento de Cristo e o sofrimento do cristão em geral? Se não vemos o poder da redenção, que vem através do sofrimento, não conseguimos entender esse aspeto cristológico.

Por que sofrer? A paixão de Cristo nos dá a resposta. Se não contemplamos Jesus que sofre, o “por que” do sofrimento fica sem resposta.

Não nos enganemos: não é o sofrimento de Cristo que nos redime do mal, mas o amor que tem por nós, um amor que o levou a dar a própria vida, com a morte na cruz. A paixão e morte de Cristo se tornam sinais do amor de Deus e a cruz, de instrumento de flagelo passa a ser instrumento de salvação.

Da mesma maneira os nossos sofrimentos, a dor do inocente, ganham um sentido, se tornam sinais de amor, com a união à cruz de Cristo: “Cristo abriu o próprio sofrimento redentor a cada sofrimento humano” (Salvifici doloris).

 

Uma questão histórica

A negação da teologia da cruz não é somente uma tentação de hoje. Já no início do cristianismo haviam pessoas que não conseguiam entender como Deus poderia morrer na cruz. Um dos protagonistas dessa linha de pensamento, definida como heresia pela Igreja, foi Cerinto. Ele dizia que Jesus era simplesmente um homem que recebeu o espírito de Cristo, que se retirou desse homem antes que morresse na cruz.

Contra teorias como essa, a tradição da igreja ensinou durante os séculos que Jesus é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, sublinhando as duas naturezas de Cristo.

 

Respeito da nossa liberdade

Sofrimento, dor, especialmente dos inocentes, é o verdadeiro grande mistério da nossa vida. A mesma cruz é um instrumento de tortura, ao qual Jesus Cristo foi pregado. Toda tentativa de explicação deve ser feita com "medo e tremor", com respeito. Qual é a causa do sofrimento? Por um lado, há o limite da nossa natureza humana, a fragilidade da criação; por outro, o pecado, que traz injustiça, violência e abuso ao mundo. Em última análise, tudo vem de Deus, porque graças a ele o mundo criado continua a existir. No entanto, ele não quer o mal, a doença, a morte, mas permite que eles existam por respeito à nossa liberdade.