No fundo, é verdade que Jesus não fundou nenhuma religião. Jesus viveu como um judeu e seguiu os ensinamentos do Judaísmo, de maneira radical e consequente. Também a pregação dos apóstolos tentava fazer com que os judeus vissem em Jesus o Messias prometido que esperavam, assim como eles mesmo tinham acreditado. A fé dos apóstolos nada mais era do que a consequência natural da religião judaica: se concretizava a esperança messiânica.

Desde o início ficou evidente que muitos judeus não acreditavam em Jesus e a separação foi inevitável. Cristo mesmo não foi acolhido pelos seus. Também seus seguidores, de maneira paulatina, mas irremediável, foram se separando dos judeus, mesmo se no início, principalmente na Igreja de Jerusalém, essa separação não foi tão evidente. Mas no território fora de Jerusalém, com a entrada dos não judeus na Igreja, os cristãos começaram a crescer em identidade própria e se tornaram "cristãos". Foram chamados assim, pela primeira vez, na cidade de Antioquia, atual Síria (Atos dos Apóstolos 11,26).

Não só o percurso trilhado pelos seguidores de Cristo conduziu à separação, com a criação de uma identidade própria. Também os judeus decidiram, principalmente com o Concílio de Jamnia, por volta do ano 90, a marcar definitivamente essa separação, principalmente excluindo do próprio cânon bíblico os livros usados pelos cristãos, os assim chamados “deuterocanônicos”.

Jesus não fundou uma igreja, mas deu um passo decisivo, sem retorno, na revelação divina. Esse passo supõe uma comunidade que abraça a fé em Deus, que envia o seu filho. A criação de uma nova religião não foi a vontade divina, mas a consequência natural da falta de fé de um grupo de religiosos que não soube acolher a mensagem revelada através do Messias, Jesus Cristo.

Que o cristianismo é uma religião, é um dado de fato. A sua identidade cresceu com o tempo e hoje é uma realidade sólida. O que não podemos dizer é que as diferentes confissões sejam religiões. A religião de todos nós, católicos, protestantes, evangélicos, etc. é sempre o cristianismo. Cada um sublinha certos aspectos dessa religião e deixa de lados outros, mas nos une a fé em Cristo como Messias enviado pelo Pai.

Jesus obviamente não fundou nem os católicos e nem os protestantes. As diferentes confissões são expressões humanas da vontade de seguir a Cristo, consequência de conjunturas e, às vezes, do pecado dos cristãos. De fato, onde há divisão certamente não se manifesta a vontade divina, mas a incapacidade humana de caminhar na mesma fé. O nosso ideal, como já exprimia Jesus em João 11,21, é “que todos sejamos um”.

 

Igreja católica e a fundação da igreja por Cristo

No passado, a Igreja Católica sublinhava ter sido fundada por Cristo baseando-se principalmente em Mateus 16,18: “Tu és Pedro e sobre essa pedra edificarei a minha Igreja”. Jesus não só teria fundado a Igreja, mas teria dato a primazia a Pedro entre todos os apóstolos. Em seguida, os católicos romanos passaram a entender a igreja como uma instituição sob a primazia dos sucessores de Pedro como um sinônimo do Reino de Deus proclamado por Cristo. Sob essa perspectiva, Jesus teria diretamente fundado a instituição, os cargos e até mesmos os processos

Essa visão dentro da Igreja Católica foi superada ou, ao menos, não é mais aquela dominante, pois a Igreja é mais do que uma instituição. De fato, segundo o Concílio Vaticano II, ela é também uma comunidade sacramental anunciada por Cristo que “inaugurou a sua Igreja anunciando a vinda do Reino de Deus”. A Igreja não é idêntica ao Reino de Deus, mas tem como meta anunciar o Reino e, ao mesmo tempo, torná-lo realidade.

 

O Espírito Santo e a fundação da Igreja

Um papel fundamental na fundação da Igreja tem o Espírito. No Evangelho de João, onde Jesus fala da vinda do Paráclito em vários lugares, o Espírito tem um papel de liderança na fundação e condução da Igreja. O Espírito representa a presença contínua de Jesus na terra e é aquele que movimenta, sustem, ensina e guia a Igreja.

Portanto, enquanto a Igreja pode se fazer presente, hoje, sob mais formas do que no seu começo, o Espírito permanece a ligação entre Jesus e a sua igreja. Poderíamos dizer que Jesus efetivamente fundou ela sobre a rocha que é Pedro, mas ele e os outros apóstolos são sempre guiados e fortalecidos pelo Espírito Santo de Jesus, o Cristo. Jesus mandou o Espírito e a a comunidade cristã chamada “a igreja” nasceu.